Por Lucie Antabi*
Artigo publicado originalmente na ConJur
O artigo 5º, inciso XI, da Constituição Federal consagrou o direito fundamental à inviolabilidade do domicílio quando determinou que “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”.
Em recente e brilhante decisão do Superior Tribunal de Justiça, no Habeas Corpus nº 561.988, a 6ª Turma anulou todas as provas obtidas pela polícia decorrentes da invasão do domicílio de um suspeito de tráfico de drogas.
Isso porque, ante a ausência de circunstâncias objetivas e satisfatórias antecedentes à violação do domicílio, as provas obtidas seriam ilícitas e, de igual modo, todas as delas derivadas. Nesse sentido, é imprescindível que os policiais se cerquem de medidas cabíveis para demonstrar a licitude da prova. Por exemplo, caso haja o consentimento do morador, que seja gravado vídeo e, quando possível, seja tal autorização por escrito.
A 6ª Turma do STJ também entendeu que diante de um país nitidamente marcado pela desigualdade social e racial, a moradia deve gozar de uma couraça jurídica especialmente resistente, na medida em que o policiamento ostensivo tende a se concentrar em eventuais suspeitos específicos, definidos por fatores subjetivos como idade, cor, gênero, classe social etc.
Desse modo, a ausência de justificativas e de elementos seguros a legitimar a ação dos agentes públicos, diante da discricionariedade policial na identificação de suspeitos de práticas criminosas, pode fragilizar o direito à intimidade e à inviolabilidade domiciliar. Bem por isso, somente se justificaria o ingresso policial no domicílio alheio se imprescindível para a cessação do cometimento de um crime naquele exato momento, de modo que fosse impossível aguardar o mandado judicial.
À luz do quanto narrado, a corte superior concluiu que a invasão de domicílio, sem mandado judicial, é ilícita sempre. Permite exceção se e somente se houver suspeita de um crime em andamento, diante de fundadas razões (justa causa).
Assim, serão ilícitas e, portanto, imprestáveis, as provas obtidas em decorrência da medida abusiva, bem como as demais provas que delas decorrerem em razão da causalidade, sem prejuízo da responsabilização penal dos agentes públicos que tenham realizado a diligência, nos termos do artigo 22 da Lei de Abuso de Autoridade. Esse artigo estabelece que o funcionário público que invadir ou adentrar, clandestina ou astuciosamente, ou à revelia da vontade do ocupante, imóvel alheio ou suas dependências, ou nele permanecer nas mesmas condições, sem determinação judicial ou fora das condições estabelecidas em lei, poderá sofrer pena de detenção de um a quatro anos e multa.
Lucie Antabi é advogada criminalista no Damiani Sociedade de Advogados.