Opinião

Lavagem de criptoativos na legislação brasileira

Corretoras e Sistema Financeiro devem garantir o bom uso da tecnologia

20 de maio de 2021

Por Armando Mesquita*

Artigo publicado originalmente no Estadão

O mercado de criptoativos está altamente aquecido e se apresenta como uma sedutora alternativa em comparação às formas de investimentos tradicionais em razão da baixa dos juros e estagnação da economia. São inúmeras as moedas digitais disponíveis para compra e venda em exchanges espalhadas pelo mundo. Entretanto, um desses criptoativos, o NFT — non-fungible token — se destacou pelo seu conceito altamente disruptivo na forma de transacionar um bem digital.

NFTs são tokens que podem ser usados para representar a propriedade de um item único, como obras de arte, músicas, itens colecionáveis e até mesmo imóveis. O bem registrado no token só podem ter um proprietário oficial por vez, são protegidos pelo blockchain Ethereum e ninguém pode modificar o registro de propriedade, copiar ou colar um novo NFT já existente.

Note-se que, de forma inversa, as criptomoedas como Bitcoin, Monero, Cardano, Ethereum e a famosa Dogecoin são itens fungíveis e podem ser trocados, porque seus valores os definem e não as suas propriedades únicas.

A título de exemplo, e apenas como base comparativa, podemos nos valer de recente notícia que o CEO do Twiter, Jack Dorsey vendeu o seu primeiro tuíte como um NFT pelo valor de US$ 2,9 milhões, aproximadamente R$ 15 milhões, através da criptomoeda Ether. E, que todo esse valor, foi destinado para Give Directly Africa Fund, que auxilia pessoas em situação de pobreza.

Ainda que possa parecer irreal o valor pago por um tuíte, o comprador Sina Estavi, que é CEO da Bridge Oracle, afirma que fez um bom negócio e acredita que esse ativo digital irá se valorizar ainda mais no futuro.

É indiscutível que a referida transação digital ocorreu de forma clara, transparente e dentro de absoluta legalidade, fortalecendo as bases do mercado de criptoativos e incentivando as doações em criptomoedas.

E, nessa esteira, ao passo que a tecnologia NFT é um avanço sem precedentes para a comercialização de forma segura e lícita de obras de artes, músicas, itens colecionáveis e outros bens, por outro lado, nasce com ela um alerta para um possível mau uso dessa fantástica engenharia em favor da prática do crime de lavagem de dinheiro. Note-se que no exemplo acima é possível identificar a venda de um bem, sem qualquer valor de referência, com pagamento em criptomoedas que, na sequência, foi doado para uma instituição de assistência social. E mais, o bem comprado poderá ser vendido por um valor ainda mais alto no futuro, sugerindo especulação.

Diante de tantas inovações tecnológicas que permitem deslocar bens valiosos e altos valores por todo o mundo em questão de segundos, surge uma fundada preocupação quanto à eficácia da lei penal brasileira frente a esse novo cenário.

Sem embargo, já na largada, é possível afirmar que nos exatos termos do artigo 1º da Lei nº 9.613/98 — que define o crime de lavagem de dinheiro — alcança transações de NFTs que sejam feitas com o objetivo de simular ou ocultar bens originados direta ou indiretamente por um ilícito penal antecedente.

Registre-se que os NFTs são um bem digital de alto valor e, assim como obras de artes, músicas, fotos podem ser usados para a troca por moedas fiduciárias, dessa forma, apesar da tecnologia de rompimento dos meios tradicionais de negociação de bens e transferência de valor, em pelo menos uma das duas pontas dessa transação, uma determinada quantia irá passar pelo sistema financeiro tradicional. E, dessa forma, a técnica de investigação conhecida como follow the money permanece como uma ferramenta eficiente para investigações contra a lavagem de dinheiro e, ou, evasão de divisas.

E mais, ao contrário das obras de arte, os dados sobre a propriedade dos bens digitais são armazenados no livro razão do NFT e, portanto, são públicos e verificáveis, entretanto, a anotação é feita de forma anônima.

Nesse contexto, a troca de NFTs entre usuários pode constituir uma forma transação por camadas e gerar a integração na tipologia usual de lavagem de dinheiro. Mas, caberá às corretoras de criptoativos (exchanges), ao Sistema Financeiro e aos seus usuários — especialmente a classe artística — criarem programas anti-lavagem e de compliance para garantir o bom uso dessa fantástica e inovadora tecnologia, o que só poderá ser feito com um olhar jurídico também inovador para a adequação de uma legislação antiga ao novo cenário do mundo digital.

*Armando Mesquita, especialista em Anticorrupção e Improbidade Administrativa, Gerenciamento de Crises, Penal Empresarial e Investigações Corporativas – sócio do Leite, Tosto e Barros Advogados

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