Opinião

A incompatibilidade de transformar uma MP em uma minirreforma

Medida Provisória 1.045 contraria intenção inicial de preservar empregos

19 de agosto de 2021

Por Thiago Melosi Sória*

Artigo publicado originalmente no Estadão

Lendo a enxurrada de notícias sobre uma tal “minirreforma trabalhista”, descobri que se trata, na verdade, de alterações aprovadas pela Câmara dos Deputados na Medida Provisória 1.045, de 27 de abril, que instituiu o Programa Emergencial de Emprego e Renda.

Esse programa é aquele que já havia sido criado provisoriamente em 2020 para permitir que empregadores reduzissem a jornada de trabalho e o salário de seus funcionários ou suspendessem seus contratos, arcando o governo federal com um pagamento mínimo ao empregado, somado ou não ao pagamento proporcional dos salários pelos empregadores.

A intenção do programa, renovada na MP 1.045/21, já era conhecida: evitar a perda de empregos e o fechamento de negócios em decorrência das medidas de contenção da pandemia. O programa foi largamente utilizado tanto por pequenos empresários quanto por grandes multinacionais. Pergunto-me, porém, por que uma medida provisória é transformada em uma minirreforma?

As medidas provisórias, como o nome já denuncia, são destinadas a terem uma vida efêmera e precisam ser aprovadas em certo prazo para não caducarem. O trâmite é emergencial. Os prazos e procedimentos são abreviados. Não há tempo para amplas discussões, o que já deixa claro sua incompatibilidade com a reforma de um código.

Analisando o texto aprovado na Câmara dos Deputados, vejo que, o que era inicialmente uma norma que tinha a intenção única de instituir, em 25 artigos, um programa emergencial de manutenção de emprego, foi transformada em uma miscelânea de 94 artigos. Esses trazem desde a elevação da jornada de trabalho dos trabalhadores em minas de subsolo até a regulamentação processual da concessão de benefícios da justiça gratuita em todos os ramos da Justiça, passando, no percurso, pela fiscalização do trabalho e por várias outras pinceladas corretivas na CLT e em outras normas.

Novamente, as tais intenções. E dado o tamanho da obra, é impossível neste espaço comentar todas. Então, passo a alguns exemplos bastante ilustrativos do direcionamento adotado na Câmara. O primeiro e mais interessante é o da jornada de trabalho dos mineiros. Uma jornada especial de seis horas, que pode ser elevada para oito, mediante acordo e sujeito à licença da autoridade fiscalizadora da higiene e segurança do trabalho, passará a ser uma jornada de até doze horas, sem obrigação de manifestação da autoridade.

O texto aprovado ainda suprime a prerrogativa da autoridade de impor jornada inferior a seis horas, por motivo de saúde e segurança. Várias outras profissões contam atualmente com jornadas reduzidas de trabalho. E a proposta legislativa também mexe de maneira genérica em todas elas, ao determinar que as horas superiores ao limite previsto e inferiores à oitava diária deixem de ser consideradas horas extras e passem a ser remuneradas com o adicional de 20%. É evidente que elevar a jornada de uma categoria ou estimular a realização de horas extras desestimula a contratação de novos trabalhadores. Ou seja, contraria exatamente a intenção inicial da MP, que é a de preservar empregos.

Como se sabe, a principal intenção do legislador, quando excepcionou certas profissões da jornada de oito horas, foi a de assegurar menor exposição desses empregados a rotinas estressantes ou ao ambiente insalubre ou perigoso. O maior exemplo é exatamente o dos mineiros de subsolo, que trabalham longe da luz do dia, expostos a poeiras e gases das mais diversas qualidades, realizando serviços extenuantes e em ambiente com alto risco de acidentes. São tantas as intenções por trás de tal reforma, que não caberiam neste espaço. Então, limito-me a comentar a mais evidente. Por que o legislador intenta fazer uma reforma dessas por alteração de uma medida provisória? Ora, porque não há espaço para reflexão e discussão. Não dá tempo de ouvir os trabalhadores afetados, os empresários interessados, os sindicatos, a sociedade, os juristas, os órgãos que estudam a higiene, a saúde e a segurança do trabalho e, especialmente, a impertinente opinião dos eleitores.

*Thiago Melosi Sória é mestre em Direito pela USP e juiz do Trabalho há 17 anos. Atualmente, é titular da 34.ª Vara do Trabalho de São Paulo e associado da ABMT (Associação Brasileira de Magistrados do Trabalho)

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