Opinião

Planos não têm a obrigação de custear políticas sociais

É necessário que as decisões judiciais considerem suas consequências práticas

17 de julho de 2020

Por Wilson Sales Belchior*

Artigo publicado originalmente na ConJur

É necessário que as decisões judiciais considerem suas consequências práticas, de acordo com a previsão do artigo 20 da LINDB, particularmente os impactos econômicos e financeiros nos sujeitos regulados pela ANS. A judicialização em massa é potencialmente criadora de desdobramentos negativos para a sociedade e desrespeita o princípio da segurança jurídica.
Nesse sentido, mostrou-se acertada a decisão que atribuiu efeito suspensivo ao agravo de instrumento interposto pela ANS, suspendo a determinação para inclusão, como cobertura obrigatória, da realização dos exames sorológicos IGM e IGG para a Covid-19.

Sublinhe-se o reconhecimento na decisão de que o grau de controle do Poder Judiciário deve ser menos intenso quanto maior for o grau de tecnicidade da matéria, objeto de decisão por órgãos dotados de expertise e experiência, como as agências reguladoras.

O objetivo de solucionar controvérsias não pode ser acompanhado pela criação de novos problemas ou de riscos de insegurança jurídica. A legislação federal é clara ao atribuir para a ANS as competências para regulação e normatização das atividades de assistência suplementar à saúde. Entre elas, é explícita a elaboração do rol de procedimentos e eventos em saúde para atualização do qual é indispensável a obediência a procedimento, requisitos e diretrizes previstas nos regulamentos da agência reguladora.

A atuação do Poder Judiciário, por mais excepcional que seja o quadro fático, não pode desconsiderar a moldura normativa no momento de interpretação e aplicação do Direito, aspecto que aumenta sua relevância no espaço da regulação dos serviços de saúde, reputados como de relevância pública pelo texto constitucional.

A pandemia provocada pela disseminação do novo coronavírus ostenta caráter de novidade científica, tanto é que periodicamente surgem descobertas e avanços técnicos que buscam tornar claros os contornos, as repercussões e as características desse fenômeno. A acurácia diagnóstica de sorologias diversas, tais quais a identificação de anticorpos IGM e IGG insere-se no contexto de pesquisas e resultados que estão sendo renovados e postos à prova, objetivando encontrar evidências que fundamentem, no futuro próximo, recomendações inequívocas sobre os testes sorológicos voltados a confirmação diagnóstica.

Não se reveste, portanto, do melhor juízo de ponderação a atribuição de obrigações sem que a pesquisa científica tenha encontrado evidências suficientemente comprovadas para superar a incerteza que envolve a acurácia diagnóstica dos testes sorológicos.
Essa questão foi reconhecida na decisão do TRF-5 ao compreender que essa “zona de incerteza”, marcada por “falta de consensos científicos”, desaconselham “a interferência do Poder Judiciário”.

A Lei das Liberdades Econômicas estabeleceu a exigência de realização de análise de impacto regulatório, de modo prévio às propostas de edição e alteração de atos normativos, a qual foi regulamentada recentemente pelo Decreto nº 10.411/2020, explicando o conteúdo desse procedimento quanto aos prováveis efeitos, razoabilidade do impacto e subsídios para tomada de decisão. Uma mudança da extensão que se pretendeu no que toca a inclusão desses testes no rol de procedimentos da ANS não pode deixar de levar em consideração os elementos associados ao impacto regulatório e os custos decorrentes para as partes interessadas de eventuais alterações dos atos normativos.

Por último, sempre oportuno distinguir que os planos privados e as operadoras de assistência à saúde não se confundem com o SUS, tampouco com o dever do Estado de garantir a saúde. Isto significa que não se pode determinar que o setor privado arque com os custos de políticas econômicas e sociais que estão inseridas nas responsabilidades do poder público, as quais, por óbvio, não podem ser transferidas aos particulares, sob pena de provocar o colapso do setor de saúde suplementar.

Wilson Sales Belchior é sócio do escritório Rocha, Marinho E Sales Advogados e conselheiro federal da OAB.

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