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Tribunal do Júri virtual inviabiliza a defesa, avaliam advogados

Para criminalistas, acusado teria direitos violados

7 de julho de 2020

Sessões do Tribunal do Júri por meio de videoconferência violariam direitos e prejudicariam a defesa do acusado. Essa é avaliação de criminalistas sobre manifestação da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) favorável ao dispositivo e encaminhada na semana passada ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça).

A associação entende que o momento de pandemia e isolamento social exige do Judiciário providências para garantir a continuidade dos seus serviços e o prosseguimento de processos judiciais.

Maria Fernanda Marini Saad, criminalista da Abdouni, Saad & Lima Advogados, reconhece os esforços da Justiça ao implementar medidas que visem a não interrupção da prestação jurisdicional, mas avalia que o emprego da videoconferência em julgamento no âmbito do Tribunal do Júri “extrapola esse desiderato”.

“Haja vista que, sob o espectro constitucional do pleno exercício do Direito de Defesa, a ausência da garantia da incomunicabilidade dos jurados e das testemunhas de acusação e defesa, assim como o afastamento da presença física do juiz, resvalam em violação ao direito da liberdade de expressão do acusado – até mesmo em sua autodefesa”, afirma.

Maria Fernanda aponta, ainda, conflito de competência na questão. “A denotar, sobretudo, maltrato ao artigo 22, inciso I da Constituição Federal, posto que a matéria que se pretende tratar na esfera do Conselho Nacional de Justiça é de conteúdo processual e não procedimental, o que representaria  indevido avanço sobre a competência privativa da União para legislar sobre Processo Penal”, conclui.

Jessica Thaís de Lima, da área penal do escritório Fidalgo Advogados, entende que o processo penal não é mero procedimento protocolar para aplicação de uma pena, mas sim um “instrumento de garantias constitucionais”.

“Nesse sentido, no que tange às Plenárias de Júri, o artigo 5º, inciso XXXVII, da Constituição Federal, é explícito quanto aos princípios que devem permear o julgamento dos crimes dolosos contra a vida e que não são compatíveis com a realização de júris virtuais. Em outros termos, não há como garantir a plenitude de defesa e o sigilo das votações por videoconferência, muito menos sanar os prejuízos decorrentes de prováveis condenações injustas, motivo pelo qual a proposta do CNJ deve ser rechaçada”, defende.

O advogado criminalista Daniel Bialski avalia que um dos princípios do Tribunal do Júri é justamente que a pessoa seja julgada pelos seus pares, ou seja, por um juiz leigo. E, por conta disso, é imprescindível que estejam atentos a tudo que é dito pelas partes, réu e testemunhas, sob pena de ser dissolvido o conselho de sentença.

“Não há como isso ser feito e fiscalizado na modalidade virtual, até por conta dos julgamentos do júri demandarem grande tempo e cuja concentração é pressuposto necessário. Além  disso, não nos esqueçamos da ‘incomunicabilidade’, ou seja, os jurados não podem conversar com outras pessoas sobre o caso e nem debater algo relacionado ao que foi dito no julgamento. E neste sentido, não sei como este princípio seria respeitado na modalidade virtual”, diz. 

Bialski sugere um formato ideal dentro das medidas de proteção impostas. “Seria mais prudente a realização de julgamentos pelo Tribunal do Júri num plenário amplo e com distanciamento seguro e, se for o caso, até sem o público, porque há muitos casos em que réus presos podem ser absolvidos. E isso atrasa a prestação jurisdicional. Importante destacarmos que é muito diferente julgar uma pessoa fora do contexto presencial e pelo modo virtual: nos julgamentos do júri, detalhes comportamentais podem fazer a diferença, seja no olhar ou reação. Há uma diferenciação enorme, e virtualmente tudo se altera em todos os aspectos e as emoções não são tão perceptíveis. Desta forma, pela impossibilidade de se garantir um julgamento íntegro e justo, não vejo como se fazer julgamentos virtuais”, finaliza.

Na avaliação do advogado criminalista Marcelo Leal, sócio no Marcelo Leal Advogados a ideia do Tribunal do Júri é ter cidadãos leigos julgando, o que não se coaduna com o julgamento técnico e asséptico proferido por um juiz togado. “Os jurados levam em consideração o calor do momento e as emoções do autor e vítima; e exatamente por não se basearem no tecnicismo fundam seus julgamentos nos sentidos, todos eles. A voz do advogado e sua entonação, a presença do réu em plenário, a emoção passada pelas testemunhas e outros sentimentos que só presencialmente se pode adquirir”, observa. E destaca que do ponto de vista técnico, o mais grave quanto ao julgamento do Tribunal do Júri por videoconferência é a impossibilidade de se garantir a incomunicabilidade dos jurados.

“Qual a garantia de que um jurado em casa, durante julgamento que, em alguns casos, pode durar mais de dia, não irá se aconselhar com seu cônjuge ou com os filhos, não sofrerá influência dos vizinhos ou até mesmo de notícias publicadas na internet?”, indaga Leal.  Ele conclui afirmando que a impossibilidade de garantir a incomunicabilidade dos jurados, “princípio basilar do júri, é óbice inafastável e sobre o qual nenhum defensor do júri realizado por videoconferência conseguiu apresentar qualquer solução razoável”.

 

Foto: Luiz Silveira / Agência CNJ

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