Por Rodrigo Quadrante*
Artigo publicado originalmente na ConJur
O contrato de stalking horse se popularizou nos últimos anos em grandes processos de recuperação judicial, tais como Grupo OI, Grupo UTC, Grupo OAS, Grupo Abengoa, e Grupo Estre.
Tais contratos nascem da necessidade dos devedores, ao perceberem a sua crise econômico-financeira, promoverem a alienação ordenada de parte dos seus ativos.
Os devedores, através desse negócio jurídico atípico, celebram com terceiro interessado a promessa de alienação de parte dos seus ativos, o que dá sustentação econômico-financeira ao plano de recuperação judicial que será apresentado aos seus credores.
Assim, as empresas em recuperação judicial, por meio desse tipo de contrato, recebem uma proposta vinculante de um terceiro interessado na aquisição de um determinado ativo, o qual se obriga a pagar determinado valor à empresa em recuperação judicial, caso ela promova a alienação judicial do seu ativo dentro de um processo competitivo no seu processo de recuperação judicial.
Cumpre notar que a grande vantagem alcançada pela devedora é que a proposta vinculante apresentada pelo terceiro interessado passa a servir como preço mínimo no futuro processo competitivo que ocorrerá na sua recuperação judicial, garantindo a existência de um interessado quanto a sua aquisição e valorizando o ativo que será leiloado.
Da mesma forma há um grande benefício ao terceiro interessado, o qual pode negociar os termos do futuro contrato de compra e venda do ativo, ajustar o seu preço de aquisição após a realização de due diligence e estabelecer os procedimentos que deverão ser adotados pela devedora para a alienação dos seus ativos, o que permite a organização dos procedimentos necessários para a sua realização [1].
Ou seja, a grande vantagem dada ao terceiro interessado decorre, justamente, da organização dos procedimentos de alienação do ativo, eis que o terceiro e a devedora podem estabelecer cláusulas que lhe darão o direito de cobrir eventual proposta no leilão que seja superior àquela que ele tenha apresentado no processo de recuperação judicial.
O tema ganhou relevância após a edição da Lei 14.112/2022, eis que o inciso 3º A do artigo 142 da LFR [2] passou a permitir a alienação de ativos por valores inferiores a 50% do seu valor de avaliação, o que pode ocorrer tanto nos processos de recuperação judicial como nos processos de falência, trazendo, no primeiro caso, grande instabilidade ao cumprimento do plano de recuperação judicial pela possibilidade de alienação de um ativo por preço vil [3].
As alterações promovidas pela nova redação do 142 da LFR, a qual foi introduzida pela Lei 14.112/2022, decorre da baixa efetividade dos leilões de ativos realizados nos processos de falências e recuperações judiciais. Isto porque os dados levantados pelo Observatório da Insolvência, em estudo promovido pela Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ), em março de 2022, indica que “a proporção de itens que são efetivamente vendidos nos leilões é de 28,7% e os itens mais vendidos são veículos, enquanto os menos vendidos são carteiras de crédito” [4].
Como se vê, a eficácia da alienação de ativos nos processos de recuperação judicial é baixa, sendo certo que os bens mais vendidos são aqueles que possuem maior liquidez e menor complexidade, o que implica na necessidade da devedora, caso queira vender um ativo de baixa liquidez, ou ainda, uma parte do seu grupo empresarial, recorrer a celebração de um contrato de stalking horse que regule matérias mais sensíveis a natureza do ativo que será alienado [5].
O que se pode questionar é se a existência de um contrato de stalking horse com um terceiro interessado na aquisição de um determinado ativo fere o artigo 142 da LFR, em especial, em razão deste contrato conceder ao terceiro interessado o direito de cobrir eventual proposta que venha a derrotá-lo no momento do leilão.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no julgamento do contrato de stalking horse apresentado nos autos da recuperação judicial do Grupo OAS, entendeu que o contrato deveria ser submetido a Assembleia Geral de Credores do Grupo OAS e, após a sua aprovação, a validade das suas cláusulas deveria ser analisada pelo Poder Judiciário [6].
A grande controvérsia levantada pelos credores contra os contratos de stalking horse reside no direito do terceiro cobrir eventual oferta realizada no momento do leilão do ativo, o que poderia motivar eventuais conclusões precipitadas acerca da abusividade deste direito conferido ao terceiro interessado na aquisição do ativo [7].
A validade da concessão deste direito de preferência ao terceiro interessado, através do contrato de stalking horse, teve boa solução na recuperação judicial do Grupo Abengoa. Isto porque o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro entendeu que seria válida a cláusula do direito de preferência dada ao terceiro interessado, a qual permitia que ele cobrisse a melhor oferta apresentada no momento do leilão do ativo, em razão deste terceiro estar comprometido com a apresentação de uma proposta vinculante que serviu de preço mínimo no leilão, tendo ele viabilizado o próprio processo competitivo e o soerguimento do grupo empresarial [8].
Ora, a eventual disputa entre o terceiro interessado que celebrou o contrato de stalking horse com a devedora e aquele que o venceu em leilão realizado no processo de recuperação judicial da devedora aumentará o valor dado pelo ativo alienado, o que, certamente, é benéfico a coletividade dos credores.
Como se vê, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro concluiu que a cooperação do terceiro interessado com o processo de recuperação judicial, promovendo a indicação de um preço mínimo ao ativo e a apresentação de uma proposta firme para sua alienação, estão de acordo com o Princípio de Preservação da Empresa [9].
Ademais, o Tribunal de Justiça de São Paulo, ao analisar o contrato de stalking horse apresentado na recuperação judicial da Estre Ambiental S.A., foi ainda mais claro ao concluir que “a princípio, a existência de proponente como ‘stalking horse bidder’ em um processo de alienação de bens não representa, por si só, qualquer irregularidade. Pelo contrário, a estratégia de possuir um interessado com proposta vinculante, além de garantir a alienação do bem, permite que um preço-base, de interesse para a recuperanda e para coletividade dos credores, seja fixado, o que pode não ocorrer em praceamentos tradicionais. Patente, pois, que a oferta stalking horse adotada atende ao princípio do soerguimento da recuperanda, obstaculizando a realização de leilão com lances mais baixos. Assim, a princípio, a existência das diversas prerrogativas listadas pela agravante, não constituem, por sí só, excessivo privilégio no tratamento aos primeiros proponentes em detrimento dos demais credores” [10]
Por todo o exposto, o contrato de stalking horse nasceu da necessidade das empresas em crise econômico-financeira buscarem mais efetividade na alienação dos seus ativos, as quais teriam mais dificuldade em os alienar em um ambiente normal de leilão, em razão das peculiaridades deste ativo.
Como se observou, o contrato de stalking horse deve ser aprovado pela Assembleia Geral dos Credores da devedora, cabendo ao Poder Judiciário a análise da validade das suas cláusulas.
Portanto, podemos concluir que contrato de stalking horse dá maior eficácia à alienação dos ativos da devedora, através da indicação de um preço mínimo que servirá para a realização do leilão, garantindo-se que os bens que serão vendidos para pagamento dos credores sejam vendidos pelo seu melhor preço, o que, certamente, está de acordo com o Princípio de Preservação das Empresas.
[1] Rodrigo Saraiva Porto Garcia, A venda de ativos na recuperação judicial e o contrato de stalking horse, Rio de Janeiro, 2019.
[2] A alienação por leilão eletrônico, presencial ou híbrido dar-se-á: I em primeira chamada, no mínimo pelo valor de avaliação do bem; II em segunda chamada, dentro de 15 (quinze dias), contados da primeira chamada, por no mínimo 50% (cinquenta por cento) do valor de avaliação e III – em terceira chamada, dentro de 15 (quinze) dias, contados da segunda chamada, por qualquer preço.
[3] Inciso 2º A do artigo 142 LFR – A alienação de que trata o caput deste artigo: V – não estará sujeita à aplicação do conceito de preço vil.
[4] https://www.conjur.com.br/2022-abr-05/falencias-arrastam-10-anos-arrecadam-divida
[5] Artigo 141 LFR – Na alienação conjunta ou separada de ativos, inclusive da empresa ou de suas filiais, promovidas sob qualquer das modalidades que trata o artigo 142: 2º Empregados do devedor contratados pelo arrematante serão admitidos mediante novo contratos de trabalho e o arrematante não responde por obrigações decorrentes do contrato anterior.
[6] Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Agravo de instrumento número 2152895-87.2015.8.26.0000/50000, rel. des. Carlos Alberto Garbi.
[7] Artigo 122 do Código Civil – São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes, entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes.
[8] Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Agravo de instrumento número 0005568.2018.8.19.0000, rel. des. Carlos Santos de Oliveira.
[9] Artigo 47 da Lei 11.101/2005 – A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, da empresa, dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estimulo à atividade econômica.
[10] Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Agravo de instrumento número 2230472-34.2021.8.26.0000, rel. des. Franco de Godoi.
Rodrigo Quadrante é advogado, mestre pela PUC-SP e sócio do escritório Leite, Tosto e Barros Advogados Associados.