Opinião

Uso indevido da imagem e royalties: por que artistas ficam sem receber por reprises?

O direito de imagem é um direito fundamental garantido pela Constituição Brasileira e regulamentado pelo Código Civil

4 de novembro de 2024

Por Rodrigo Calabria, CCLA Advogados

 

A recente declaração da atriz e cantora Lucinha Lins, expressando sua frustração por não ser devidamente remunerada pelas reprises de produções nas quais atuou, chama a atenção para um problema recorrente na indústria do entretenimento brasileiro: os baixos  honorários  pelo uso continuado da imagem dos artistas. O caso evidencia lacunas na legislação e nos contratos firmados entre emissoras e profissionais, principalmente em um contexto no qual a reexibição de obras, seja na TV aberta, seja nas plataformas de streaming.

 

O direito de imagem é um direito fundamental garantido pela Constituição Brasileira e regulamentado pelo Código Civil. Ele assegura que qualquer pessoa tenha controle sobre o uso da sua própria imagem e possa exigir indenização sempre que houver exposição indevida ou exploração comercial não autorizada. No caso de artistas e profissionais da indústria cultural, esse direito se torna ainda mais relevante, já que envolve não apenas a imagem física, mas também a reprodução de seus trabalhos artísticos em diferentes mídias. Porém, muitas vezes, contratos deixam não detalham adequadamente a forma de remuneração por reexibições futuras, como reprises ou a migração das obras para plataformas digitais.

 

Como advogado e especialista em propriedade intelectual e direito do entretenimento, destaco que a ausência de cláusulas claras nos contratos pode gerar essa insatisfação. Uma falha recorrente; ao assinarem contratos com emissoras e produtoras, muitos profissionais não conseguem garantir direitos sobre as reprises, ficando, assim, sem qualquer participação nos lucros obtidos com a exibição de suas obras. Além disso, o avanço das plataformas de streaming ampliou essa discussão, já que produções antigas, que antes ficavam restritas à programação linear, agora são constantemente disponibilizadas ao público e geram receitas. Ressalto que, no Brasil, ainda não existe uma regulamentação específica que obrigue emissoras ou plataformas a repassar royalties por reprises, o que deixa muitos artistas desamparados.

 

Entre os casos mais emblemáticos, Sônia Braga processou a Globo por não ter sido remunerada pela reprise de Dancin’ Days no canal Viva, mas perdeu a ação, já que a Justiça entendeu que a emissora ainda estava no prazo para pagamento. Outras atrizes, como Maria Zilda e Elizângela, também criticaram o Viva por repassar valores considerados irrisórios, com Zilda revelando que recebeu apenas R$ 237,40 pela reprise de Selva de Pedra.

 

Marcos Oliveira, o Beiçola de A Grande Família, é outro exemplo. Ele declarou que o valor recebido pelas reprises no Viva chega a no máximo R$600, insuficiente para manter sua subsistência. Além disso, Felipe Folgosi e outros artistas criticaram a falta de clareza nos contratos, especialmente no que se refere ao uso de obras no streaming, um modelo que não era previsto nas negociações originais​

 

Em outros países, como Estados Unidos, França e Reino Unido, o cenário é diferente. O modelo hollywoodiano, por exemplo, prevê o pagamento de “residuals” – uma forma de royalties – para atores sempre que uma produção é reexibida, seja na TV, seja em serviços de streaming. Esses valores são acordados previamente e se aplicam tanto a obras recentes quanto a produções antigas. Na França, a proteção aos direitos dos artistas é rigorosa, sendo gerenciada por sociedades de gestão coletiva que garantem repasses periódicos cada vez que uma obra é retransmitida. Já no Reino Unido, emissoras como a BBC têm sistemas automáticos que remuneram atores e outros profissionais sempre que suas produções são exibidas novamente.

 

Esses exemplos internacionais mostram que a remuneração por reprises não é apenas uma questão contratual, mas também uma prática consolidada que valoriza o trabalho dos artistas e garante a sustentabilidade de suas carreiras em longo prazo. No Brasil, no entanto, o cenário atual evidencia a necessidade de uma revisão nas práticas contratuais e na legislação para se adaptar às novas dinâmicas do mercado. Com a ascensão do streaming e a crescente demanda por conteúdos de catálogo, muitos profissionais reivindicam maior transparência e previsibilidade em seus contratos. A modernização das leis pode ajudar a equilibrar os direitos dos artistas e as necessidades das emissoras e plataformas, promovendo um ambiente mais justo e sustentável para todos.

 

Esses casos são emblemáticos, pois refletem uma insatisfação que atinge muitos profissionais da classe artística no Brasil. A falta de um sistema de royalties consistente impede que atores e atrizes se beneficiem financeiramente da exibição contínua de obras nas quais dedicaram seu talento e esforço. A mudança inclui cláusulas mais detalhadas nos contratos e a adoção de práticas inspiradas em mercados internacionais, as quais valorizam o trabalho dos artistas em todas as suas exibições, independentemente do tempo que tenha passado desde a produção original.

 

 

Dr. Rodrigo Calabria

Sócio do CCLA Advogados, escritório com reconhecida atuação no segmento do entretenimento, atua com contratos empresariais, propriedade intelectual, franquias, tributação e operações societárias desde 2002. Com experiência acumulada em grandes escritórios da região paulista, está habituado a assessorar clientes em negociações e disputas complexas, envolvendo contratos, estruturação de negócios, planejamento sucessório, proteção patrimonial, direitos autorais, propriedade industrial e contencioso estratégico.

 

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