Por André Damiani e Lucie Antabi*
Artigo publicado originalmente no Estadão
No final de janeiro, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) proferiu importante decisão acerca da legalidade da produção e compartilhamento do Relatório de Inteligência Financeira (RIF) elaborado pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF).
O Tribunal decidiu que a investigação realizada pela Polícia Federal, com o objetivo de apurar as operações financeiras do advogado Frederick Wassef, tinha de ser encerrada, uma vez que o RIF que a originou estava em desconformidade com a lei.
No detalhe, o RIF foi elaborado sem os requisitos necessários e, portanto, legais para sua formalização. Isto porque, o documento foi gerado espontaneamente pelo COAF sem requisição judicial. Tampouco houve qualquer tipo de comunicação anterior sobre eventual movimentação bancária, suspeita, do advogado. Pior, estranhamente, o RIF foi encaminhado para o Ministério Público de outro estado da federação que não o de domicílio do cidadão contribuinte.
Certamente houve uma colaboração espúria entre MPF e COAF. Afinal, nas palavras do ministro Gilmar Mendes, seria uma forma de espionar de maneira dissimulada a vida privada dos cidadãos, como fazia a Stasi, a polícia secreta da então Alemanha Oriental.
Nesse cenário, surge uma questão emblemática: será que as outras investigações embasadas nos relatórios do COAF serão impactadas?
De antemão, necessário consignar que a decisão do TRF1 é de suma importância, posto que, além de reconhecer a ilegalidade do material elaborado, consignou a existência de indícios de prática criminosa, determinando a instauração de investigação para apurar os responsáveis pela produção do referido relatório.
Ocorre que o controle jurisdicional é feito de forma individualizada em cada caso concreto. Portanto, a decisão em comento não tem impacto automático sobre os demais relatórios elaborados pelo órgão. No entanto, evidente que agora haverá maior cautela na elaboração dos relatórios, e ainda, as investigações deverão ser iniciadas mediante o preenchimento de todos os requisitos legais, posto que embora sirva para colher elementos de autoria e materialidade do delito, acabam por afetar de maneira notória a vida do averiguado.
É manifesto que a perseguição de maneira escusa e pretensiosa aos cidadãos representa a pior faceta do autoritarismo ainda presente nos órgãos governamentais. Desta forma, a decisão colegiada do TRF1 merece aplausos porque pautada na defesa do Estado Democrático de Direito.
*André Damiani, criminalista especializado em Direito Penal Econômico, é sócio fundador do Damiani Sociedade de Advogados
*Lucie Antabi, criminalista, é advogada no Damiani Sociedade de Advogados