Opinião

Tecnologia, concorrência e publicidade: aliadas da contabilidade

Restrições à liberdade publicitária são incompatíveis com as normas

11 de setembro de 2020

Por Mário André Machado Cabral, Marcio de Oliveira Junior e Paulo Springer de Freitas*

A profissão contábil está entre as profissões que têm se transformado profundamente em decorrência da tecnologia. Tarefas contábeis repetitivas já estão sendo executadas por inteligência artificial. Empresas têm investido em tecnologia não só como forma de adequação ao momento, mas, sobretudo, porque isso pode gerar serviços contábeis mais eficientes e competitivos, em benefício da coletividade.

Com a evolução tecnológica, algumas profissões se aperfeiçoam; outras deixam de existir. Não há mais demanda para técnicos especializados em conserto de máquinas de escrever. Já médicos seguem sendo necessários, embora a tecnologia tenha feito com que a medicina hoje seja muito diferente da pintada por Rembrandt na Lição de Anatomia do Dr. Tulp, de 1632.

A ciência e a profissão contábeis continuarão sendo fundamentais. Transformações como consequência do avanço tecnológico são inevitáveis. A tecnologia deve ser vista como aliada – até porque, como inimiga, é imbatível.

Inovar é uma forma de concorrer. Investir em inovação tecnológica expressa disposição em disputar espaço de mercado, gerando concorrência. Cientes do imperativo da inovação tecnológica, novas empresas de contabilidade têm investido no desenvolvimento de softwares que tornam as tarefas contábeis mais eficientes e menos custosas. Assim, conseguem ofertar ao público-alvo preços competitivos e um serviço de qualidade e online, apropriado aos tempos atuais.

Esse cenário retrata uma típica situação em que investimentos em tecnologia permitem o acesso a vantagens competitivas por parte de novos players, como startups de contabilidade online. A combinação de inovação e concorrência gera ao público serviços que atendem critérios técnicos de qualidade e que são ofertados a preços competitivos.

A questão que se coloca é: como tornar viável economicamente a operação de novas empresas de contabilidade que têm no investimento em tecnologia seu mecanismo de diferenciação competitiva?

A resposta é simples: retirando entraves injustificados (e eventualmente ilegais) ao desenvolvimento dessas startups.

A forma elementar de entrar, crescer e se desenvolver no mercado é mediante a atração de clientes. Para ser capaz de atrair clientes, é preciso que a nova empresa se faça conhecida e comunique ao público suas vantagens competitivas.

Para tanto, a publicidade é ferramenta essencial.

A publicidade é o instrumento através do qual empresas entrantes intentam levar seu nome e as informações mais fundamentais sobre seus preços e serviços aos potenciais clientes. Sem publicidade, novos agentes econômicos não conseguem sequer se tornar conhecidos do público-alvo. A entrada e o desenvolvimento de novas empresas ficam comprometidos, com prejuízos do ponto de vista das assimetrias informacionais e, em geral, das ineficiências geradas. Sem publicidade, dificulta-se a viabilização econômica de novas empresas de contabilidade que têm custos decorrentes de investimentos em tecnologia.

Da perspectiva econômica, entrantes de base tecnológica têm elevados custos fixos, pois os investimentos em tecnologia e em profissionais de tecnologia são constantes e não triviais. Ao mesmo tempo, enfrentam baixos custos marginais, isto é, os custos de ofertar o serviço a um consumidor adicional é praticamente zero. Desse modo, para diluir os custos fixos, é necessário ampliar sua base de clientes. A ampliação da base de clientes, a ponto de tornar sustentável a operação nesse modelo de negócios, depende da publicidade. Com a comunicação publicitária, a empresa de contabilidade online se torna mais conhecida e informa a comunidade a respeito de sua qualidade e seus preços, possibilitando o alargamento do universo de clientes atendidos, inclusive fora do município onde se situa a sede física da empresa.

O racional não é complexo e poderia ser esquematizado da seguinte forma: (i) investe-se em tecnologia e ganham-se vantagens (como mais qualidade, eficiência e preço); (ii) faz-se publicidade, comunicando essas vantagens ao público-alvo; (iii) atrai-se o público-alvo e enfrentam-se os custos dos investimentos, viabilizando o negócio e incentivando mais investimentos em tecnologia.

As empresas que já estão no mercado têm como alternativa lícita de reação a essa conjuntura investir, também, em tecnologia. Assim, vislumbra-se um quadro virtuoso: mais tecnologia, mais concorrência e mais benefícios à coletividade, na forma de bons serviços a preços competitivos.

Ocorre, no entanto, que a publicidade no segmento contábil, embora fundamental à concorrência e à inovação tecnológica, enfrenta expressivos entraves infralegais. Tais restrições à liberdade publicitária são incompatíveis com normas constitucionais e legais – e órgãos como o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) já estão atentos à questão. Barreiras concorrenciais representam risco expressivo não apenas à construção de um ambiente mais competitivo no setor, como, especialmente, à modernização tecnológica da tão nobre e relevante atividade contábil.

*Mário André Machado Cabral, doutor em Direito Econômico pela USP. Sócio da Advocacia da José Del Chiaro. É professor do mestrado em Direto da UNI7

*Marcio de Oliveira Junior, doutor em Economia pela UFRJ. É professor titular do mestrado em Administração Pública do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). É consultor sênior da Charles River Associates (CRA) e sócio da Pakt Consultoria e Assessoria. Foi conselheiro e presidente interino do Cade

*Paulo Springer de Freitas, doutor em Economia pela UnB e mestre pela Universidade de Yale. É professor colaborador dos programas de Mestrado Profissional em Economia do Setor Público da UnB e em Economia e Finanças da FGV e sócio da Pakt Consultoria e Assessoria

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