Por Joaquim Pedro de Medeiros Rodrigues*
Artigo publicado originalmente na ConJur
Retornou à Câmara dos Deputados a proposta de emenda à Constituição (PEC) que institui o requisito de relevância nos recursos especiais interpostos ao Superior Tribunal de Justiça. Os motivos são os mesmos que deram origem à denominada jurisprudência defensiva: desafogar o tribunal superior.
O curioso é que o STJ foi criado pela Constituição da República e recebeu desde logo a alcunha de Tribunal da Cidadania. E com razão. É o Superior Tribunal de Justiça que garante a autoridade das leis federais e resolve as divergências entre os tribunais, garantindo a uniformidade das decisões judiciais — o que é fundamental para a segurança jurídica de um país continental.
Dentro do arcabouço processual brasileiro, a existência do STJ é essencial para a resolução dos conflitos do dia a dia, haja vista que o Supremo Tribunal Federal — corte à qual se atribui a função de guardiã da Constituição —, também sob o aspecto da sobrecarga dos processos, está cada vez mais restrito às questões eminentemente de cunho constitucional.
O jurisdicionado, portanto, tem no Tribunal da Cidadania a confiança de que as questões julgadas pelos tribunais serão apreciadas levando-se em conta a relevância da legislação federal em si mesma. Por exemplo, a própria proposta de emenda estabelece que se presume a relevância de algumas matérias, isto é, o assunto tratado no recurso especial é relevante nos casos de ações penais, de ações de improbidade administrativa, entre outras. Ocorre que não há hierarquia entre o Código Penal, a Lei de Improbidade Administrativa, o Código Civil, o Código de Processo Civil e outras legislações federais.
É claro que a lógica processual brasileira não autoriza que se tome o STJ como terceira instância mera revisora das decisões judiciais. Por sua própria natureza, o recurso especial retira parte da subjetividade trazida no âmbito do processo, tendo como perspectiva a violação da lei federal ou a divergência jurisprudencial.
Assim, a mera irresignação da parte, dessa forma, não autoriza o acesso ao STJ, que já tem consolidada jurisprudência que sinaliza que esse recurso não deve ser conhecido em um sem número de ocasiões: reanálise de fatos e provas, interpretação de cláusula contratual, falta de fundamentação específica, entre outras.
Estabelecer o critério da relevância para acessar o Superior Tribunal de Justiça esvazia o próprio tribunal, que deixa de exercer uma das principais missões constitucionais de que se incumbiu e que o caracteriza justamente como a Corte da Cidadania. E o critério que a PEC estabelece de presunção da relevância para algumas matérias revela essa desconexão com a realidade, posto que, como já dito, inexiste hierarquia entre as leis federais. O Código Penal não é maior ou menor do que o Código Civil, por exemplo.
A proposta, na verdade, atinge muito mais os interesses daqueles que são os atores principais de um processo, que são as partes, do que o que efetivamente precisa ser aprimorado, que é a qualidade das decisões judiciais e a autoridade dos julgados proferidos pelos tribunais superiores. Enfim, a PEC é um ataque aos sintomas e não às causas que tornam o STJ um tribunal sobrecarregado.
Por essa razão, é necessário que se reveja a PEC, que, embora tenha um conteúdo que possa satisfazer o interesse do tribunal, acaba por esvaziá-lo de uma de suas principais missões. O recurso especial, em verdade, traz o STJ para perto da cidadania, não sendo possível, dado o contexto dos processos civil e penal brasileiros, afastá-lo.
*Joaquim Pedro de Medeiros Rodrigues é advogado, mestre em Direito Constitucional pelo IDP e sócio-fundador do escritório Pisco & Rodrigues Advogados.