Opinião

STF reconhece a imunidade das exportações indiretas

Luiz Carlos Fróes Del Fiorentino analisa decisão que interessa diretamente ao agronegócio

2 de março de 2020

Por Luiz Carlos Fróes Del Fiorentino

Artigo publicado originalmente na Conjur.

Em decisão unânime, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a exportação indireta de produtos – realizada por meio de trading companies (empresas que atuam como intermediárias) – não está sujeita à incidência de contribuições sociais. A análise da questão foi concluída na sessão plenária do dia 12 de fevereiro, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4735 e do Recurso Extraordinário (RE) 759244.

A Corte produziu a seguinte tese de repercussão geral (Tema 674): “A norma imunizante contida no inciso I do parágrafo 2º do artigo 149 da Constituição da República alcança as receitas decorrentes de operações indiretas de exportação, caracterizadas por haver participação negocial de sociedade exportadora intermediária”.

Essa decisão interessa diretamente ao agronegócio, visto que as exportações indiretas, por intermédio de “trading companies”, são bastante comuns nesse importantíssimo setor da nossa economia. Além disso, os casos analisados pelo plenário do STF tratam do FUNRURAL, o qual incide sobre a comercialização da produção do empregador rural pessoa física prevista no artigo 25 da Lei 8.212/91, na redação dada pela Lei nº 10.256/01.

Em relação ao FUNRURAL, nunca é demais lembrar que a jurisprudência do STF, à unanimidade, entendia pela sua inconstitucionalidade, não sendo mais devido pelo empregador rural pessoa física (RE 363852, Relator Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 03/02/2010 e RE 596177, Relator Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 01/08/2011). Em março de 2017, o STF alterou esse posicionamento, ao apreciar um caso em repercussão geral, desta vez, tratando, explicitamente da Lei 10.256/01. O RE 718.874 acabou entendendo que as normas relativas aos incisos I e II do art. 25 da Lei 8.212/91, haviam sido “aproveitadas” pela Lei 10.256/01, considerando constitucional a cobrança da contribuição, desde a entrada em vigor da Lei 10.256/01.

Essa reviravolta na jurisprudência do STF acerca do FUNRURAL acarretou uma séria de exigências aos contribuintes da cadeia produtiva do agronegócio, em especial aos adquirentes das mercadorias dos produtores rurais pessoas físicas (responsáveis, nos termos do artigo 30, IV da 8.212/91, pelo recolhimento dos tributos por estes devidos). Essas exigências fiscais não faziam distinção quando a aquisição da mercadoria se dava com fim específico de exportação.

Tanto é assim, que, logo após a publicação do acórdão atinente ao RE 718.874, houve a edição da Lei 13.606/2018, que trouxe importantes alterações na legislação tributária aplicável ao agronegócio e instituiu o Programa de Regularização Tributária Rural (PRR), voltado para o parcelamento de dívidas do FUNRURAL.

Assim, o julgamento do STF reconhecendo a imunidade também às exportações indiretas trouxe alívio ao setor do agronegócio, que espera ver diminuídas as suas contingências.

A despeito do acórdão do STF tratando da imunidade das exportações indiretas ainda não ter sido publicado, é possível tecer alguns comentários sobre a questão. No que se refere à imunidade em comento, a Emenda Constitucional nº 33/2001, incluiu o § 2º, I, no art. 149 da Constituição Federal de 1988, com a seguinte redação:

“Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.
(…)

§ 2º As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo:
I – não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação;” (destacamos).

Da redação do dispositivo constitucional verifica-se que as receitas oriundas de vendas ao exterior são imunes à incidência das contribuições, inclusive as previdenciárias.

O objetivo da norma imunizante relacionada às receitas auferidas com as operações de exportação é óbvio: eliminar o “custo Brasil”, seguindo o princípio segundo o qual “não se exportam tributos”. É o que se percebe do projeto apresentado pelo Relator da Proposta n. 227-B/2000, que resultou na EC n. 33/01:

“O dispositivo que desonera as receitas de exportação das contribuições sociais e das contribuições de intervenção no domínio econômico é bastante pertinente, e até mesmo imprescindível, pois, dada a acirrada concorrência no comércio internacional não se pode admitir qualquer forma de agregação de tributos a bens e serviços exportados”.

Isso significa que a interpretação das normas de desoneração, sejam elas constitucionais (imunidade), legais (isenções, alíquota zero etc.) ou mesmo de natureza não-tributária, como os créditos concedidos ao exportador, devem levar em consideração a razão econômica de sua adoção.

Por isso, a imunidade das receitas de exportação alcança não só as exportações diretas, mas inclusive aquelas operações intermediárias e que já se sabe, de antemão, que destinam as mercadorias ao exterior. Em outras palavras, a imunidade prevista no § 2º, I, do art. 149 da Constituição Federal de 1988, aplica-se tanto nos casos em que as mercadorias são exportadas diretamente pelos produtores rurais pessoas físicas, como naqueles em que elas são destinadas a uma empresa comercial, a partir dos quais seguem seu curso com destino à exportação. Não fosse assim, a receita de exportação seria indiretamente onerada pelas contribuições previdenciárias, frustrando a finalidade da norma imunizante, que visa justamente evitar que o custo do tributo seja agregado ao produto, de sorte a torná-lo competitivo no mercado internacional.

Um dos dispositivos declarados inconstitucionais pelo STF, o § 1º do art. 245 da IN 03/2005 (revogado pelo § 1º do 170 da IN 971/2009), estabelecia que a imunidade teria lugar apenas em relação ao que se denomina de venda direta, isto é, sem a intermediação de qualquer terceiro:

“§ 1º Aplica-se o disposto neste artigo exclusivamente quando a produção é comercializada diretamente com adquirente domiciliado no exterior.

Entretanto, tal limitação jamais poderia ser levada a efeito por mera Instrução Normativa, sendo que, nos termos do art. 146 da Constituição Federal, cabe apenas à Lei Complementar estabelecer normas gerais em matéria tributária, bem como regular os limites ao poder de tributar (incisos II e III).

Também a redação do § 2º do mesmo art. 245 da IN 03/2005 (revogado pelo § 2º do art. 170 da IN 971/2009) era improcedente1, visto que não se pode equiparar a venda interna a uma venda com fim específico de exportação.

O fato de determinado contribuinte repassar a sua produção à “trading company” para fins de comercialização no mercado externo, em virtude de questões comerciais relacionadas ao melhor conhecimento do mercado, ao custo, à logística, em nada desnatura o caráter de venda destinada à exportação, bem como a natureza das receitas delas decorrentes.

Nesse diapasão, ressai lógico e razoável que empresas ligadas ao agronegócio efetivem as vendas destinadas ao exterior através de “trading companies” como forma de viabilizar a venda ao mercado exterior.

Na verdade, o posicionamento defendido pela PGFN privilegiava os “grandes players” do mercado e penalizava o pequeno e médio produtor rural e, dessa forma, infringia os princípios constitucionais da isonomia e da livre concorrência. Pensemos, por exemplo, no caso de um pequeno a médio produtor rural pessoa física. Seria razoável exigir deste que, além de realizar a produção de sua comercialização, encontrasse diretamente um adquirente no exterior e, ademais, negociasse o transporte marítimo para o envio da sua pequena produção? Absolutamente não!

O que nos parece muito claro e razoável é a total coerência da análise do texto constitucional efetuada pelo STF nesse julgamento com a realidade do mercado.

Especificamente no que respeita à exportação mediante interposição de terceira pessoa, vale referir que a legislação nacional, tradicionalmente, tem assegurado ao produtor os mesmos benefícios à exportação, ainda que a mercadoria não seja vendida diretamente ao exterior, mas mediante a interposição de empresa comercial-exportadora, que adquire no mercado interno com o propósito único de exportar, dispondo de know how e pessoal afeitos ao comércio exterior, permitindo que o fabricante concentre sua logística na sua atividade econômica.

Nesse sentido, já na década de 70 assegurou-se ao produtor-vendedor o benefício do “Crédito-Prêmio” instituído pelo DL nº 491/69, ainda que a exportação fosse intermediada por trading company (art. 3º, do DL nº 1.248/72).

Relativamente às contribuições sociais do PIS e da COFINS, o crédito-presumido de que trata a Lei nº 9.363/96 também é assegurado ao produtor que efetuar venda por intermédio de trading company (art. 1º, § único). O PIS e a COFINS incidentes sobre a receita não atingem as vendas ao exterior, estendendo-se tal favor também às operações intermediadas por trading companies (art. 21, III, da IN nº 1.911/19), o mesmo sucedendo em relação ao ICMS (art. 7º, V, §1º, 1, do RICMS/SP).

O ordenamento jurídico, portanto, não privilegia o simples embarque da mercadoria ao exterior, mas sim a atividade de produzir um bem ou produto com destino ao mercado externo, atividade que, efetivamente, angaria divisas para o país.

Em suma, andou bem o STF ao estender a imunidade tributária das Contribuições Sociais também sobre as receitas das exportações indiretas, por intermédio de “trading companies”, em face da ausência de restrição legal do art. 149, § 2º, I, da CF/88 à essa modalidade de exportação.

Esperamos que o CARF adote o mais rapidamente esse posicionamento em seus julgamentos, de modo a cancelar os autos de infração lavrados ao arrepio da legislação.

1 § 2º A receita decorrente de comercialização com empresa constituída e em funcionamento no País é considerada receita proveniente do comércio interno e não de exportação, independentemente da destinação que esta dará ao produto”.

Luiz Carlos Fróes Del Fiorentino é formado em Direito e Administração; cursou especialização em Direito Tributário no Instituto Brasileiro de Direito Tributário/Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET); mestre em Direito Econômico e Financeiro pela Universidade de São Paulo (USP); e advogado do escritório Dias de Souza Advogados Associados em São Paulo.

 

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