Por Mariana Apgáua*
No último dia 27 de abril foi publicado o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal nos autos da ADI 2446, que discutia a constitucionalidade do parágrafo único do art. 116 do CTN.
A referida norma foi incluída no ordenamento jurídico por meio da LC 104/2001, autorizando as Autoridades Administrativas a desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com o objetivo de dissimular a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária.
Os argumentos apresentados quanto à possível inconstitucionalidade da norma foram as ofensas aos princípios da legalidade, da tipicidade e da separação de poderes, especialmente pelo risco de que esse dispositivo seja utilizado para invalidar os planejamentos tributários que busquem a economia fiscal, sob o argumento de que se trata de ato sem propósito negocial.
No caso, a ministra relatora Carmen Lúcia, que foi acompanhada pela maioria dos ministros, com exceção de Ricardo Lewandowski e Alexandre de Morais, consignou que, “a despeito dos alegados motivos que resultaram na inclusão do parágrafo único ao art. 116 do CTN, a denominação “norma antielisão” é de ser tida como inapropriada, cuidando o dispositivo de questão de norma de combate à evasão fiscal”.
Para a relatora, a norma busca conferir “máxima efetividade não apenas ao princípio da legalidade tributária, mas também ao princípio da lealdade tributária”.
Ademais, a ministra indicou que, para a plena eficácia dessa norma, é necessária edição de lei ordinária para sua devida regulamentação.
Apesar de a ação ter sido julgada de forma desfavorável aos contribuintes (afinal, trata-se de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, com o reconhecimento da constitucionalidade da norma questionada), a ministra relatora trouxe em seu voto balizas extremamente relevantes para a análise da legalidade/validade dos planejamentos tributários, ainda que tais critérios sejam extremamente subjetivos, a exemplo do que seria a boa-fé quando da formalização de tais atos.
Nos termos do voto da ministra Cármen Lúcia, a despeito da constitucionalidade do parágrafo único do art. 116, é plenamente legítimo ao contribuinte identificar meios legais para a redução da carga tributária, já que “a norma não proíbe o contribuinte de buscar, pelas vias legítimas e comportamentos coerentes com a ordem jurídica, economia fiscal, realizando suas atividades de forma menos onerosa, e, assim, deixando de pagar tributos quando não configurado fato gerador cuja ocorrência tenha sido licitamente evitada”.
Com efeito, não há qualquer irregularidade na figura do planejamento tributário, ou seja, a elisão fiscal. Muito pelo contrário. O planejamento tributário está diretamente relacionado a direitos constitucionais, como a livre organização/iniciativa e liberdade econômica (art.1°, IV, art. 3°, inciso I e 170 da CF/88), livre concorrência (art. 170, IV CF/88) e as demais previsões ao longo do art. 5° da CF/88, em especial as disposições no caput e incisos II e XIII, que expressam a liberdade do indivíduo ou entidade de organizar sua própria vida/negócio, principalmente no que tange a liberdade contratual, bem como no princípio da legalidade e na garantia do direito de propriedade.
Ou seja, é evidente que o próprio texto constitucional garantiu o direito de cada indivíduo, sócio ou em conjunto, de organizar os seus negócios como melhor lhe aprouver. Assim, a não ser que exista expressa vedação legal, não há qualquer legitimidade em coibir o melhor exercício da atividade empresarial.
Indo adiante, a ministra afastou ainda qualquer possibilidade de adoção, pelo legislador do parágrafo único do art. 116 do CTN, da teoria da interpretação econômica do fato gerador. Ou seja, não é possível “a autoridade fiscal usurpar competência legislativa, realizando tributação por analogia ou fora das hipóteses legalmente previstas, mediante interpretação econômica”.
Assim, a desconsideração da operação ficaria restrita aos casos em que há efetiva demonstração de atos ilícitos com o objetivo de obstar a real motivação da operação – dissimulação.
Nesse sentido, é possível concluir que a mera redução da carga tributária em decorrência de eventuais planejamentos realizados pelos contribuintes, desde que esses atos e negócios jurídicos sejam prévios à ocorrência do fato gerador, válidos de acordo com a legislação vigente e não simulados, não é motivo para que as Autoridades Fiscais desconsiderem os efeitos deles decorrentes.
Ademais, o legislador ordinário, quando da regulamentação exigida para a aplicação do parágrafo único do art. 116 do CTN, já possui limites que devem ser observados, sob pena de violação à ordem constitucional.
Por fim, um aspecto formal de extrema relevância é o fato de que eventuais autuações, baseadas unicamente no parágrafo único do artigo 116 do CTN, deveriam ser canceladas, pela ausência de regulamentação da matéria.
*Mariana Apgáua é advogada do Departamento Tributário da Andersen Ballão Advocacia.