Opinião

Sociedade Anônima Simplificada chega em boa hora ao Brasil

Lei é importante marco na história do Direito Societário brasileiro

1 de julho de 2021

Por Philippe Boutaud-Sanz e Larissa Wenke Fernandes

Artigo publicado originalmente na ConJur

Antiga aspiração de empreendedores, as Sociedades Anônimas Simplificadas (SAS) foram finalmente introduzidas no Direito brasileiro com a sanção do Marco Legal das Startups (Lei Complementar 182/2021), no último dia 2.

Apesar de o marco legal não utilizar expressamente a terminologia SAS, ele modificou a Lei das Sociedades por Ações (Lei 6.404/76, a LSA) objetivando reduzir burocracias e custos — quando comparados com o tipo tradicional de sociedade anônima — para aquelas sociedades menores que desejam atuar como anônimas, advindo daí o termo “simplificada”.

Nesse sentido, o Marco Legal das Startups instituiu que companhias fechadas que tiverem receita bruta anual de até R$ 78 milhões poderão fazer as suas publicações obrigatórias eletronicamente, deixando de lado jornais impressos, além de poderem substituir seus livros sociais por registros mecanizados ou eletrônicos — medida que desonera a companhia. Adicionalmente, o artigo 143 da LSA passará a permitir que a diretoria de uma sociedade anônima seja composta por um ou mais membros, dispensando a antiga obrigatoriedade de dois diretores.

Vale ressaltar também que o parágrafo 4º do artigo 294 da LSA passou a autorizar o livre estabelecimento de dividendos nas SAS quando o estatuto for omisso a respeito, ficando a cargo somente de uma assembleia geral deliberar sobre o assunto. Portanto, fica permitida a distribuição de dividendos de maneira desproporcional às participações dos acionistas no capital social, de forma semelhante ao que ocorre com as sociedades limitadas.

Ainda, através da criação dos artigos 284-A e 294-B na LSA, o Marco Legal das Startups passou a permitir que empresas com receita bruta anual inferior a R$ 500 milhões tenham acesso facilitado ao mercado de capitais, mediante a dispensa de certas obrigações, — como a de instalação do conselho fiscal a pedido dos acionistas, intermediação de instituição financeira na distribuição pública de valores mobiliários, recebimento de dividendos obrigatórios e quanto à forma de publicação determinada pela LSA —, matéria esta que ainda deverá ser regulada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Na prática, sobretudo empresas de médio porte, que eram constituídas na maioria das vezes como sociedades limitadas em razão dos custos e obrigações para criação e manutenção de sociedades por ações, terão na SAS uma nova opção para ofertarem ações no mercado de capitais, reduzindo a necessidade de captar dinheiro nos bancos. Bastará, para tanto, fazerem a conversão para o regime simplificado de sociedades anônimas.

A adoção de tais novas regras, juntamente com o fato de a responsabilidade dos sócios/acionistas ser geralmente menor numa sociedade anônima do que numa limitada, acabará por incentivar a aderência ou migração para o modelo de sociedade anônima simplificada, que estará disponível quando da entrada em vigor do Marco Legal das Startups, ou seja, em 2 de setembro deste ano.

Destaca-se que a migração para o tipo societário da sociedade anônima simplificada não é uma exclusividade do Brasil. Isso já ocorreu em outros países, notadamente na França, onde a Société par Actions Simplifiée vem obtendo grande sucesso desde 1994, com um aumento expressivo, ano após ano, da proporção de sociedades constituídas sob esse regime em comparação às demais presentes no Direito francês.

Segundo o Instituto Nacional da Estatística e Estudos Econômicos (INSEE — órgão oficial francês responsável pela coleta, análise e publicação de dados e informações sobre a economia e a sociedade da França), as SAS francesas — incluindo as SAS unipessoais — representaram 63% em 2019, e 67% em 2020, do total de novas sociedades.

Uma forte característica da SAS francesa, e que contribui para seu sucesso, é a grande liberdade dos sócios para definir o conteúdo do estatuto social da empresa, liberdade essa que poderia inspirar num futuro próximo a legislação aplicável às SAS brasileiras, cujos estatutos sociais ainda se encontram mais adstritos a disposições da legislação aplicável. Ademais, foram concedidos na França regimes tributários diferenciados a esse tipo societário, mediante o cumprimento de certas condições, que também poderiam servir de inspiração para a legislação brasileira.

Apesar de ainda existirem nele questões pendentes de regulamentação pela CVM, o Marco Legal das Startups, ao introduzir novas regras que fazem alusão a um novo modelo societário, é um importante marco na história do Direito Societário brasileiro e pode significar um dos primeiros passos para que alcancemos o mesmo sucesso da SAS francesa num futuro próximo.

*Philippe Boutaud-Sanzé sócio-fundador do escritório Chenut Oliveira Santiago Advogados e especialista em Direito Societário.

*Larissa Wenke Fernandesé advogada da equipe de Consultoria do escritório Chenut Oliveira Santiago Advogados

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