Opinião

Sobre o assincronismo tributário

Estar conforme a regra jurídica é aspiração de todo administrador

9 de julho de 2021

Por Eduardo Diamantino*

Artigo publicado originalmente na ConJur

Estar conforme a regra jurídica é aspiração de todo administrador. Conseguir já depende de muito esforço. Se for em matéria tributária, deve se acrescentar a essa empreitada uma medida considerável de resiliência e fé.

Os problemas na área fiscal podem ser classificados de acordo com o poder que emanam. São, então, ao menos três: 1) de sistema legislativo que regula tudo com pouca qualidade, ou deixando de regular; 2) de Executivo, que insiste em legislar, por portarias, consultas e atos infralegais, o que leva ao Judiciário; 3) isso leva a inúmeros recursos, o que torna o Judiciário lento.

Agora vem surgindo no Executivo um novo tipo de problema: um assincronismo entre os órgãos envolvidos com tributação e cobrança que, inúmeras vezes, não acatam o decidido no Judiciário e agem de forma descoordenada entre si. Aqui nos dedicaremos a esse último fenômeno, exercido veladamente em nosso cotidiano.

Exemplos temos vários. Nos ocupemos do recente julgamento da tese da exclusão do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) da base de cálculo do Programas de Integração Social e Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (PIS/Cofins). Como se sabe, depois de vários anos de batalha jurídica, em 2017 decidiu-se que assistia razão ao contribuinte. Passaram-se ao menos quatro anos para se concluir o julgamento dos embargos de declaração. Nesse período, a Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (SRF) e o seu órgão de representação judicial, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), insistiram na tese de que só seria válido o crédito sobre o valor efetivamente recolhido pelo contribuinte. Nesse interim, a Receita Federal editou algumas normas mitigando o julgamento, teimando em não reconhecê-lo. Passamos quatro anos aguardando o Judiciário decidir.

Ao final, como sabemos, foi dada razão ao contribuinte.

Finalizado o julgamento, a PGFN, de forma correta, editou o Parecer SEI 7698/2021/ME, determinando que o ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da Cofins. O ICMS a ser excluído é o destacado das notas fiscais. Com a edição dele, está claro ao órgão, que litiga em nome da SRF, que a questão foi definitivamente finalizada. Recomendou ainda que se oficie a Receita sobre esse posicionamento que é definitivo, visto que julgado em última instancia.

O problema é que a Receita Federal, até o momento, não tomou nenhuma medida. Ou seja, deixou vigente, entre outras, a SC 13/2018 e a Instrução Normativa 1911/2019, já citadas, como se não houvesse a decisão judicial proferida pela corte constitucional.

Foi além.

Recentemente, tem investido contra as compensações realizadas pelos contribuintes, batizando-as com criativos nomes. A última lembrou mágicos (“operação Randi”), que daria orgulho a membros da Polícia Federal adeptos dessa técnica. A finalidade é aterrorizar o contribuinte, que tem dúvidas sobre o que pode ou não fazer.

Obviamente, não se defende que a Receita deixe de fiscalizar. Essa atividade deve ser sempre exercida por força da vinculação dos atos administrativos e em estrito cumprimento das normas. Acontece que, nesse caso, teremos uma situação totalmente atípica.

Como as normas editadas para a exclusão do ICMS da base de cálculo das contribuições são inconstitucionais, o agente fiscal, ao aplicá-las, no cumprimento do seu dever de ofício, estará lavrando autos de infração que não poderão ser transformados em créditos tributários.

Caberá, então, à PGFN, em observância de sua função legal, apurar a iliquidez desses lançamentos. Se não o fizer, iremos ao Judiciário, que já resolveu a questão e será novamente chamado.

Falta conhecimento e compreensão para entender tal atitude. Para combater esse assincronismo entre os órgãos em desfavor do contribuinte, fiquemos com a resiliência e a fé num futuro melhor.

*Eduardo Diamantino é sócio do escritório Diamantino Advogados Associados e vice-presidente da Academia Brasileira de Direito Tributário (ABDT) e especialista em agronegócios.

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