Opinião

Seria nossa esperança uma desgraça?

Esperar é desejar o que não se tem e, consequentemente, estar de certa forma infeliz

31 de maio de 2022

Por Nelson Wilians*

Artigo publicado originalmente na Folha

Luc Ferry, o filósofo, discorrendo sobre “A Sabedoria dos Mitos Gregos”, fala que na Caixa de Pandora, Zeus se dera o trabalho de colocar todos os males, desgraças e sofrimentos que devem se abater sobre a humanidade para puni-la pela sua arrogância ante os deuses. Saindo todos os infortúnios, apenas a esperança fica presa no fundo do funesto recipiente que é fechado com a mesma dentro. Isso pode ser interpretado de duas maneiras.

Pode-se achar que os humanos não poderão sequer se agarrar a alguma esperança, visto que ela não saiu da Caixa de Pandora. Mas pode-se também entender, o que parece ser mais adequado, que a eles resta a esperança, o que está longe de ser uma vantagem concedida por Zeus, pois se assim fosse não estaria dentro da respectiva caixa de desgraças.

De fato, não se engane: a esperança, para os gregos, não é um bom presente. É inclusive uma desgraça, uma tensão negativa, pois esperar é continuar carente, é desejar o que não se tem e, consequentemente, estar de certa forma insatisfeito e infeliz. Quem espera se curar é porque está doente, quem espera ser rico é porque é pobre, quem espera que as coisas vão melhorar é porque estão ruins. De certa forma, a esperança é mais um mal do que um bem.

“A esperança é a última que morre.” Em tempos de eleições, crise econômica, conflitos, o normal é que nos agarremos cada vez mais a essa frase.

Faz parte da curiosidade humana querer saber como e por que as coisas acontecem no mundo da maneira como elas ocorrem. Pandora não conseguiu resistir e, abrindo a caixa, libertou todos os males. Arrependida, tornou a fechá-la, mantendo presa a esperança.

Mas aqui vale diferenciar o verbo “esperançar” do “esperar”.

O grande educador e filósofo Paulo Freire já dizia: Esperar é: “Ah, eu espero que dê certo, espero que aconteça, espero que resolva”. Esperançar é ir atrás, é não desistir. Esperançar é ser capaz de buscar o que é viável para fazer o inédito. Esperançar significa não se conformar.

Quem “espera” não está completo porque está esperando algo ou tem esperança em algo que não tenha. Não basta ter fé, orar. Obviamente, acreditar e ser otimista são fatores positivos para uma vida próspera. Mas não bastam.

Talvez aí esteja o grande dilema de nosso país. Estamos permanentemente aguardando uma reviravolta, um milagre, uma grande transformação política. Esperando sempre que governantes, deputados, senadores, imbuídos de um sentimento coletivo, quase filantrópico ou altruístico, passem a trabalhar apenas para o povo, sem qualquer outro objetivo egoísta, seja eleitoral ou não republicano.

Esse seria o país ideal, dos sonhos. Mas não podemos, ou ao menos não deveríamos viver apegados a essa ilusão. Neste contexto, gostaria de recordar alguns exemplos de superação.

A história do jovem Thompson Vitor, que passou em 1º lugar no exame do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN) em 2015, é inspiradora. Morador de Paço da Pátria, em Natal, ele estudava com os livros trazidos da rua por sua mãe, catadora de lixo reciclável.

Outro caso emblemático é o de Dowglas Pereira de Oliveira. Tocantinense de Gurupi, sempre estudou em escola pública e foi aprovado em primeiro lugar no vestibular para o curso de medicina do Centro Universitário Unirg, em 2014.

Não, não basta querer. Sabemos que são casos isolados, exceções. O poder público é o maior responsável em garantir uma vida digna à população. Segundo um levantamento da organização Todos pela Educação, com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), o Brasil alcançou a maior taxa de crianças e jovens de 6 a 14 anos fora da escola em 2021 – aproximadamente 244 mil. O número é alarmante.

Mas as histórias lembradas mais acima podem servir de reflexão e inspiração. Aqueles com melhores condições deveriam assumir maiores responsabilidades em nosso país. Acredito que a ponta de nossa pirâmide social pode fazer mais. É preciso compartilhar, não só em termos financeiros, mas também intelectualmente. Dividir conhecimento, aprendizado, ensinar, acolher.

Já vimos que deixar tudo nas mãos de nossos governantes não é a melhor solução.

Voltando a falar de esperança (esperançar). Com a aproximação do momento de irmos às urnas, muitos seguem em busca de super-heróis, de salvadores da pátria. É um sentimento perigoso. Como já dito em artigos anteriores, devemos ouvir e estudar atentamente as propostas, independentemente de correntes políticas, partidos A, B ou C. Devido à toda situação que vivemos atualmente, ainda com a pandemia, a volta da inflação, o desemprego, essa talvez seja uma das mais importantes eleições de todos os tempos.

Para encerrar, deixo um questionamento: a esperança é boa ou ruim? Entendo que, no sentido de nos motivar a buscar um mundo melhor, será sempre positiva e produtiva. Mas no conceito de aguardar, procrastinar, em nada há de valioso ou proveitoso. Independentemente da visão de cada um, o melhor é deixar aquela esperança guardada no fundo da Caixa de Pandora.

*Nelson Wilians é empreendedor e advogado

Foto: Emerson Lima

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