Opinião

Se um dia você for processado

Todos têm direito à ampla defesa e ao contraditório

9 de fevereiro de 2021

Por Bruno Salles Ribeiro*

Artigo publicado originalmente no Migalhas

Se um dia você for processado, espero que lhe sejam asseguradas todas as garantias constitucionais e processuais. Não importa se você seja processado no âmbito cível, trabalhista, administrativo, regulatório ou criminal. Eu espero que a você seja assegurada a presunção de inocência. Espero que lhe garantam o devido processo legal, que você possa produzir todas as provas que entenda cabíveis para sua defesa, que possa arguir quaisquer irregularidades e nulidades, que possa ser ouvido – seja por si próprio, seja por meio de seu advogado – e que, acima de tudo, possa ser julgado por um juiz equidistante, imparcial e isento.

Se um dia você for processado, espero, sinceramente, que não lhe chamem por apelidos pejorativos pelas autoridades públicas, cujas funções constitucionais lhes exigem decoro e pudor. Independentemente da acusação que penda sobre você, espero que não seja objeto de pilhéria e de galhofa. Nem você, nem sua família. Espero que não façam gozação com seu modo de falar, com quaisquer defeitos físicos que você tenha. Que não sujeitem seus entes queridos à humilhação pelo seu jeito de se vestir.

Se um dia você for processado, espero que seu advogado seja ouvido em todos os atos do processo. Que nenhuma decisão do processo seja tomada por confabulação particular de sua contraparte com as autoridades jurisdicionais. Espero que cada um dos argumentos de sua defesa técnica seja levado em conta e não seja reduzido à mera encenação. Pois só assim, se pode exercer, efetivamente, o direito à ampla defesa e ao contraditório.

Se um dia você for processado, espero que em um dos vértices da pirâmide que forma a relação processual exista um juiz. E para que se possa chamar essa parte de juiz, é necessário que esse vértice seja equidistante de você e de seu contendor. É também necessário que se mantenha inerte, que não procure atuar se não mediante provocação das partes. Que em hipótese alguma procure fabricar provas contra você, ofício que caberia tão somente ao seu adversário na relação processual. Espero que esse ator não lhe veja como um inimigo, não tenha preferencias ou desejos sobre seu destino e sobre o destino de seu processo. Que seja imparcial e, só assim sendo, possa ser chamado de juiz.

Se um dia você for processado, espero que a opinião pública não contamine seu processo. Espero que o julgamento seja guiado pelas provas produzidas sob o crivo do contraditório e nada mais. Espero que paixões, convicções e ideologias fiquem restritas, o quanto é possível, ao íntimo do pensamento de cada uma das autoridades envolvidas em sua lide.

Se um dia você for processado, espero que jamais tentem se produzir provas artificialmente. Espero que não se tente manipular a realidade para que ela se vergue à narrativa episódica desejada por seus contendores. Espero que não pressionem testemunhas de qualquer forma, que não coloquem suas palavras em torniquete até que elas soem como se deseja, ainda que em sacrifício da realidade.

Se um dia você for processado, espero que seu processo seja tratado como qualquer outro. Que não seja mais lento ou mais rápido, mais sigiloso ou menos sigiloso, mais genérico ou mais detalhado, mais quente ou mais frio. Que seu processo não seja guiado por quaisquer conveniências, particulares ou públicas, políticas ou religiosas, vis ou virtuosas. Que as únicas guias de seu processo sejam a Constituição da República e as leis regularmente editadas por nosso parlamento.

E se um dia você for processado e vier à tona que um ou outro desejo, entre os ora manifestados, foi frustrado, espero que você possa recorrer a Tribunais, que desejo que sejam, quanto maior sua hierarquia, mais isentos. Mais isentos e mais ciosos de sua obrigação de assegurar cada uma das garantias fundamentais delineadas nesse pequeno opúsculo de esperanças. Que eles compreendam que assegurar cada uma e todas essas garantias, não importa quão miserável seja o acusado ou quão magnânimas sejam as autoridades, é uma necessidade inexorável ao próprio sistema de justiça. Ao próprio Estado de Direito.

Mas se um dia você for processado, não podemos garantir que todos esses desejos sejam realizados. Mas podemos garantir que sempre poderá contar com um advogado lutando por eles até o último recurso. Porque nós acreditamos na justiça.

Bruno Salles Ribeiro, mestre em Direito pela USP e sócio de Cavalcanti, Sion e Salles Advogados.

 

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