Por Thabitta Rocha, Paulo Boechat Torres e Mycaella Castro*
Artigo publicado originalmente na ConJur
A conceituação de uma sociedade, no Direito Empresarial, parte do princípio no qual as atividades econômicas nem sempre são exercidas por pessoas físicas de maneira isolada, o que resulta na união dessas pessoas em sociedades. Nada impede que as sociedades, ainda que tenham personalidade jurídicas próprias, também se unam e formem grupos econômicos.
Um grupo econômico representa a concentração de empresas que possuam o mesmo objetivo econômico, sendo abordado pelo Capítulo XXI da Lei das Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404/76). A doutrina caracteriza que tais grupos podem ser classificados como grupo de fato, grupo de direito e consórcio.
Sobre o prisma do Direito Trabalhista, conforme a CLT (Decreto-Lei nº 5.452/43, artigo 2º, §2º), um grupo econômico é configurado a partir da atuação coordenada de empresas que possuam objetivos comuns e relação de subordinação entre si.
No contexto tributário, a definição de grupo econômico está na Lei das S.A. A partir do artigo 268 e também do artigo 494 da IN/RFB nº 971/2009, o qual dispõe que aquele estará caracterizado pela união de duas ou mais empresas sob a direção, controle ou administração de uma delas.
A junção desses conceitos permite-nos discorrer acerca das implicações tributárias quanto à existência de um grupo econômico, bem como da responsabilização das empresas que o compõem.
Considerando a necessidade de um interesse em comum para a caracterização desses grupos, observamos que o mesmo fator — direcionado à realização do fato gerador do tributo — é relevante para a responsabilização tributária das sociedades componentes de um grupo econômico, nos termos do artigo 124, I do CTN.
Nessa linha, conforme o entendimento do ministro Gurgel de Faria no REsp 1.775.269/PR, o interesse em comum deve versar sobre o interesse jurídico das pessoas na relação jurídico-tributária. Por outro lado, quando houver a suposição de confusão patrimonial, desvio de finalidade ou fraude, será necessária a comprovação do ilícito tributário para justificar o interesse em comum.
As implicações tributárias descritas acima nos remetem à questão da liberdade de organização dos contribuintes, bem como a possibilidade de realização de planejamentos tributários.
É possível afirmar que o planejamento tributário se relaciona à elisão fiscal, que por sua vez corresponde aos procedimentos adotados para reduzir custos tributários de forma legal. Em contraste, a evasão fiscal corresponde à economia de tributos por meios ilícitos, tais como sonegação, fraude, simulação ou conluio.
Em ambos os casos, a análise é baseada estritamente na licitude dos meios utilizados. Todavia, alguns julgado no âmbito do Carf tratam o propósito negocial (business purpose) como um elemento levado em consideração para a configuração de um planejamento tributário lícito ou ilícito, como veremos a seguir.
Recentemente, o Carf publicou o Acórdão nº 1201-005.567, no qual o conselheiro relator, Wilson Kazumi Nakayama, após exemplar análise do panorama fático e dos fundamentos da autuação, cancelou exigência de IRPJ e CSLL lavrada em face de grupo econômico voltado à produção e comercialização de concreto usinado.
Na hipótese específica, o Fisco entendeu que a constituição de empresas pela contribuinte teria como objetivo o fracionamento de seu faturamento, tributando-as pelo Lucro Presumido e, em decorrência disso, reduzindo-se indevidamente os tributos devidos. Como consequência, diversas pessoas jurídicas foram incluídas no polo passivo do lançamento.
Os elementos fáticos que lastrearam a acusação fiscal foram, em síntese: 1) a existência de sócios em comum entre a contribuinte e as empresas constituídas; 2) coincidência de endereços entre a contribuinte e as empresas constituídas; 3) cessão de imóveis, funcionários, equipamentos e caminhões da contribuinte para as empresas constituídas sem ônus e; 4) uso da marca da contribuinte pelas empresas constituídas.
À luz de tais circunstâncias fáticas, o Fisco entendeu pela ausência de propósito negocial nas operações, pela existência de planejamento tributário abusivo e ilícito, bem como pela ocorrência de fraude. Resumindo: que as empresas constituídas não teriam funcionamento “autônomo e independente”.
Não obstante, conforme adiantado, o colegiado decidiu por cancelar a autuação após concluir que o Fisco não se desincumbiu do ônus de comprovar a alegada confusão administrativa, patrimonial, operacional e gerencial entre a contribuinte e as empresas constituídas. Em virtude disso, sequer analisou-se a responsabilidade tributária dos diretores das empresas.
Uma das premissas que norteou a referida conclusão foi a de que o contribuinte possui “a liberdade de organizar seus negócios da maneira que entender que melhor atenda aos seus objetivos”. Frise-se, ainda, que não há sequer uma menção à suposta falta de propósito negocial no voto condutor.
Além disso, pesou para o colegiado a inexistência de qualquer vedação legal para a prática dos elementos fáticos que o Fisco entendeu como ilícitos fraudulentos. Da mesma forma, consignou-se que não houve demonstração que a contribuinte lançou a resultado os custos e despesas incorridos nos bens cedidos às empresas constituídas, o que seria um indício que daria suporte à tese fazendária.
A jurisprudência do Carf parece caminhar no mesmo sentido do Acórdão nº 1201-005.567, como se extrai das razões de decidir do Acórdão nº 9202-010.012, no qual assentou-se o entendimento de que a responsabilidade solidária prevista no artigo 124, I, do CTN, somente deve ser atribuída quando se comprove cabalmente que duas ou mais pessoas realizaram conjuntamente o fato gerador.
Não basta, portanto, a alegação da existência de grupo econômico de fato (Acórdão 2201-009.147). É de se notar também a existência de julgados que atestam que o artigo 124, I, do CTN, não se aplica quanto a outros fatos apurados no curso de procedimento fiscalizatório que tenham resultado no lançamento se, quanto a eles, não foi demonstrado qualquer vínculo (Acórdão nº 1302-005.430).
Dos julgados mencionados acima, tem-se que a existência de um conglomerado, por si só, não é elemento suficiente para a configuração de responsabilidade tributária solidária. É imprescindível que o Fisco demonstre o interesse comum previsto no artigo 124, I, do CTN, que pode ser feito mediante a comprovação de confusão patrimonial (Acórdão 1401-001.675).
É preciso destacar que o interesse comum na situação que constituiu o fato gerador não se confunde com o mero interesse nos lucros da empresa, sendo insuficiente para fins de caracterização de responsabilidade tributária.
Thabitta Rocha é sócia do Mauler Advogados.
Paulo Boechat Torres é advogado do Mauler Advogados.
Mycaella Castro é estudante de direito no IDP e estagiária no Mauler Advogados.