Por Thays Brasil
A competitividade do mercado de trabalho leva às empresas a buscarem diversas formas de otimizar seus resultados e, sobretudo nos últimos anos pós pandemia, reduzir custos.
Ultimamente, tem ganhado força a prática chamada “Quiet Firing” ou “Dispensa Silenciosa”, comportamento arbitrário e absolutamente vedado pelo ordenamento jurídico trabalhista, assim como o chamado “Quiet Quitting” – termo igualmente novo e utilizado para explicar o mesmo fenômeno, porém de iniciativa do empregado.
Pois bem. O chamado “Quiet Firing” é a prática em que o empregador, ao invés de dispensar sem justa causa determinado empregado, adota uma série de medidas para tornar a permanência do trabalhador na empresa insustentável. Isso pode incluir a redução gradual de responsabilidades; a retirada de projetos importantes; a transferência injustificada para outro Estado, área ou função; a alteração da jornada de trabalho sem consentimento; a exclusão de eventos importantes da empresa; dentre outras.
Vale destacar que, embora a prática do “quiet firing” envolva uma série de atitudes veladas por parte do gestor que visam forçar o empregado a se demitir, nem sempre essa conduta é realizada de forma consciente ou intencional. É comum ver líderes, com pouco traquejo para lidar com a necessidade de dispensar determinado empregado, passe a simplesmente evitar este profissional, assumindo internamente que não pode ou não precisa mais contar com ele.
Seja como for, ressalta-se que, independentemente da intenção do gestor, a prática do chamado “quiet firing” pode ser considerada juridicamente como assédio moral no ambiente de trabalho e, mais do que isso, pode afetar significativamente a saúde mental do empregado, gerando substancial passivo trabalhista decorrente, também, de doença ocupacional. É nesse sentido, pois, que se recomenda a implementação de medidas preventivas, como treinamentos e formação para gestores, com o fito de conscientizá-los sobre a importância de assumir a responsabilidade (legal) de criar e manter um ambiente de trabalho saudável, seguro e respeitoso para seus empregados.
Afinal, não existe nenhuma circunstância ética ou legal que justifique a dispensa silenciosa fazer parte da rotina organizacional. A ação, em verdade, demonstra despreparo dos líderes e tende a ser destrutiva não só à reputação, mas também à segurança financeira do negócio. Isso porque, a existência da ação reiterada, insistente e prolongada no tempo, com o objetivo – ainda que velado – de desestruturar o trabalhador, para forçar-lhe a vontade de pedir demissão, tende a acarretar dano à dignidade ou à sua integridade física ou psíquica, traduzindo – à luz da legislação trabalhista vigente – em comportamento assedioso e, portanto, indenizável.
É que, tanto a higidez física, como a mental, inclusive emocional, do ser humano são bens fundamentais de sua vida, privada e pública, de sua intimidade, de sua autoestima e afirmação social e, nesta medida, também de sua honra. São bens imateriais, inclusive, tutelados pela Constituição Federal (artigo 5º, V e X).
Com relação ao “quiet quitting”; que nada mais é do que o colaborador fazer o mínimo possível das obrigações, com o objetivo de estabelecer limites ao trabalho, em grande medida proteger a própria saúde mental e, quem sabe, conseguir com que a empresa proceda com a extinção do contrato sem justa causa, de modo que não haja renúncia ao valor de nenhuma verba rescisória; deve-se lembrar que a linha entre o que configura ou não uma dispensa por justa causa é bem tênue.
Isso porque a CLT, em seu art. 482, alínea “e”, traz como uma das possíveis causas para aplicação da dispensa por justa causa a chamada desídia, que se caracteriza pela falta de interesse e compromisso do empregado com suas atividades, o que pode se alinhar às condutas incentivadas pelo “quiet quitting”. O mesmo dispositivo traz na alínea “h” a possibilidade de justa causa para ato de indisciplina ou de insubordinação, o que também pode ser encaixado na situação em debate.
A dispensa por justa causa, porém, por se tratar de penalidade máxima ao trabalhador, deve sempre ser analisada de maneira individual, com foco nas peculiaridades do caso concreto e, preferencialmente, com o auxílio de um advogado trabalhista, já que a falta grave deve estar enquadrada nos requisitos da legislação trabalhista.
Contudo, de rigor salientar que a possível aplicação de uma justa causa para casos de “quiet quitting” não significa que a empresa não deva se atentar aos descontentamentos expostos e eventual cultura interna que possam impactar na saúde mental de seus colaboradores, sob pena de gerar ao empregado não só o direito a uma indenização, mas também a chamada rescisão indireta do contrato de trabalho (ou a justa causa do empregador), com previsão no art. 483 da CLT.
E por falar em rescisão indireta, o “quiet firing”, além de todas as implicações jurídicas já mencionadas, também pode acarretar na consequência de nulidade do pedido de demissão, se comprovada a “falta grave do empregador”, pois, ao impor ao trabalhador o ócio forçado, sem designar atribuições a serem realizadas por dias ou mesmo meses, a empresa claramente extrapola os limites de seu poder diretivo de forma arbitrária.
Desta maneira, configurada a rescisão indireta do contrato de trabalho ou nulidade do pedido de demissão, o empregado passa a fazer jus a todas as verbas rescisórias que teria em uma dispensa padrão sem justa causa. Além disso, nesse cenário, a Justiça do Trabalho costuma arbitrar indenização por danos morais nos mais diversos valores, com fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana – art. 5º da Constituição Federal – acima mencionado.
Diante do exposto, a forma mais efetiva de resolver conflitos, tanto do lado do empregado, como do lado do empregador, é insistir no diálogo, em “feedbacks” estruturados e na transparência das relações de trabalho, através da instituição de políticas éticas e francas entre todos os envolvidos.
*Thays Brasil é advogada trabalhista e sócia no Feltrin Brasil Tawada Advogados