Por Mariana Chaimovich*
Artigo publicado originalmente no Estadão
Recentemente, diversos veículos de comunicação publicaram extensas reportagens sobre o alto valor de emissão das cédulas de 200 reais, o que provocou amplo debate na sociedade brasileira. Essa percepção sobre o “alto valor” veio, na maior parte dos casos, acompanhada exclusivamente dos dados sobre o valor de emissão do conjunto de mil notas (milheiro) de 200 reais, isto é, 325 reais. Portanto, cada cédula teria o custo de produção de R$ 0,325, pouco mais de trinta e dois centavos.
O que as reportagens não consideraram é o valor por real emitido. Trata-se de uma conta simples: calcula-se o valor por nota – R$ 0,325 no caso da cédula de 200 reais – e, em seguida, divide-se esse valor pela quantidade de reais estampada na nota. Para a cédula de 200 reais, o custo seria de R$ 0,001625. Trata-se da cédula mais barata por real, se comparada a todas as outras que existem hoje. Para se ter uma ideia, a cédula mais dispendiosa, por real, é a de 2 reais, a um custo de R$ 0,12644. Ela é quase 80 vezes mais cara, por real, do que a cédula de 200 reais, justamente por estampar valor cem vezes menor.
Os custos de produção podem ser encontrados no site do Banco Central do Brasil, que, no entanto, apenas apresenta os custos de produção da cédula de 200 reais para o ano de 2020. Em 2021, o custo de impressão aumentou em média pouco mais de 20% para todas as cédulas, provavelmente em virtude da alta na demanda por cédulas de dinheiro não apenas no Brasil, mas no mundo todo. Ao contrário do que se pode imaginar, a demanda por dinheiro no Brasil aumentou durante a pandemia, como demonstram os dados oficiais sobre circulação de dinheiro do próprio Banco Central. No final de janeiro de 2020, ou seja, antes do início da pandemia de covid-19, o total de cédulas em circulação era de aproximadamente 6,6 bilhões, perfazendo montante de R$ 250,4 bilhões. Já no mês de junho de 2020, esses valores aumentaram para 7,8 bilhões e R$ 310,9 bilhões, respectivamente, com novo aumento para R$ 324,6 bilhões em novembro de 2021, já com a introdução da nova cédula de 200 reais.
Com os recentes desdobramentos da pandemia no Brasil e no mundo, não é possível afirmar qual será o cenário de restrição de circulação das pessoas a médio e longo prazos. Existe a tendência ao entesouramento, ou seja, à guarda de dinheiro em casa, para que se tenha segurança quanto à possibilidade de realizar pagamentos, principalmente em períodos delicados como foi – e continua sendo – a pandemia de covid-19. Trata-se de aspecto cultural observado, inclusive, em países com realidade econômica diferente daquela do Brasil, como o Japão, no qual longos períodos de deflação e a ausência de violência estimulam que parte da população ainda guarde dinheiro embaixo do colchão. Situações em que os cidadãos se sentem vulneráveis estimulam esse apego ao material, representado pelo dinheiro em espécie.
É importante mencionar que as cédulas de maior valor também têm durabilidade maior, e esse fator raramente é noticiado: na página institucional do Banco Central, nas perguntas e respostas sobre o custo de produção e vida útil de cédulas e moedas, está estampado que, para as cédulas de 2 reais, 5 reais e 10 reais, a vida útil é em torno de 14 meses; de 16 meses para as cédulas de 20 reais; e de aproximadamente 36 meses para as notas de 50 reais e 100 reais. Não são apresentados valores para a cédula de 200 reais, mas, se a tendência for mantida, estima-se uma vida útil ainda maior. Isso é verdade, inclusive, para outros países: o site especializado Central Banking, que congrega informações de bancos centrais de todos os continentes, apresenta pesquisa que aponta que cédulas de maior denominação efetivamente têm durabilidade maior, de acordo com dados obtidos de 22 bancos centrais ao redor do mundo, e de 130 denominações diferentes de cédulas.
Ao se discutir o valor do dinheiro é necessário avaliar todos os argumentos e ter como foco principal o fato de que o dinheiro é utilizado no País inteiro por parte significativa da população, e que existe no Brasil a obrigação de se aceitar pagamentos em espécie: pessoas físicas e jurídicas são obrigadas a receber pagamentos em dinheiro na moeda nacional. Diversos meios de pagamento, sejam eles recentes, tecnológicos ou tradicionais, podem ser utilizados para saldar dívidas, realizar compras, e possibilitar à população a tranquilidade de ter suas demandas e necessidades básicas atendidas. Deve-se buscar, sempre, atender aos anseios da sociedade brasileira como um todo, sociedade que certamente não se resume à população de grandes cidades, possuidora de smartphones com aplicativos de suas contas digitais, e com acesso ilimitado à internet rápida e de boa qualidade.
*Mariana Chaimovich é advogada, legal advisor no Instituto de Estudos Estratégicos de Tecnologia e Ciclo de Numerário (ITCN), meste em Direito Internacional pela USP e doutora pelo Instituto de Relações Internacionais da USP
Foto: Raphael Ribeiro/BCB