Por José Garcia Cuesta Junior*
O Supremo Tribunal Federal (STF) pode retomar, no final do primeiro semestre deste ano, um julgamento sobre a validade do decreto assinado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, que cancelou a adesão do Brasil à Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
O julgamento não trata especificamente dos impactos da Convenção nº 158 da OIT ou da proibição da demissão sem justa causa no Brasil. O tema em discussão é a constitucionalidade do Decreto nº 2.100/1996, editado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, que cancelou a adesão do Brasil à Convenção sem a chancela do Congresso.
Essa falta de chancela do Congresso foi um dos argumentos centrais da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) para, em 1997, questionar no STF a possibilidade de o Brasil deixar de aplicar tratados internacionais já incorporados ao ordenamento nacional sem a aprovação prévia do Parlamento.
A Convenção nº 158 da OIT é uma norma de Direito Internacional que visa regulamentar o término da relação de trabalho por iniciativa do empregador. Um de seus pressupostos é que um trabalhador não deve ser dispensado a menos que exista uma causa justificada. Ela pode estar relacionada tanto à sua capacidade ou ao comportamento quanto baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, como a falta de recursos para manter o profissional.
Contudo, a Convenção não especifica as formas de justificativa, muito menos as elenca. Por isso entende-se que, além da decisão de aplicabilidade ou não de referida Convenção, faz-se necessário criação de Lei complementar para trazer profundidade e segurança jurídica ao seu texto.
E quais os possíveis impactos no cotidiano das empresas caso o decreto do então presidente Fernando Henrique Cardoso seja considerado inconstitucional?
Na realidade, a Convenção não acaba com a demissão sem justa causa. Ela tão somente estabelece medidas para prevenir demissões por filiação política, sindical, discriminatórias, entre outras.
Nas demissões sem justa causa, as empresas passariam a ter de motivar a demissão para que a dispensa seja “não arbitrária”. A motivação pode ser por questões financeiras da companhia ou por questões de mau desempenho do funcionário, por exemplo. Se a empresa não motivar a demissão, nesse caso, haveria uma demissão arbitrária. Caberia a uma lei federal a ser editada pelo Congresso Nacional disciplinar quais seriam as punições neste caso. A demissão por erros graves, por justa causa, permaneceria intacta.
Contudo, o Brasil já possui proteção contra a dispensa sem justa causa, que é a multa de 40% do FGTS. Só quando o empregado é dispensado por falta disciplinar, mau comportamento ou desempenho, que é por justa causa, ele perde a indenização. Mesmo quando a demissão é por questões econômicas ou tecnológicas, ele ganha indenização. A CLT é mais protetiva que a convenção, no caso.
De todo o modo, não deixa de ser preocupante o efeito que tal julgamento poderá causar nas relações empregatícias, já que há interferência direta no direito do empregador em demitir seus empregados, passando para as empresas o ônus de ter que comprovar um justo motivo para tanto.
Haverá um desequilíbrio ainda maior nessa balança que envolve as relações empregatícias, podendo, cabalmente, desencorajar novas admissões, aumentar o desemprego e, em vias paralelas, incentivar contratações irregulares e marginalizadas.
Por fim, espera-se que, ao final do julgamento, caso seja no sentido de aplicabilidade da Convenção no ordenamento jurídico brasileiro, o próprio STF estabeleça os parâmetros de modulação dos efeitos de sua decisão, em especial, posicionando-se sobre as demissões ocorridas durante esse período de quase três décadas, evitando uma enxurrada de ações trabalhistas que possam rediscutir a matéria.
*José Garcia Cuesta Junior, advogado sênior da área de Legal Management da Lira Advogados. Atua na área de Direito do Trabalho.
Foto: Arquivo/Agência Brasil