Por José Luis Oliveira Lima e Rodrigo Dall’Acqua*
Artigo publicado originalmente no Estadão
No próximo dia 1º de setembro serão alterados os parâmetros dos crimes de evasão de divisas e de manutenção de recursos não declarados no exterior, ambos previstos no artigo 22 da Lei do c (Lei 7.492/86). Nesta data entram em vigor as resoluções nºs 4.844/2020 e 4.841/2020 do Banco Central.
O delito de evasão de divisas será alterado pela resolução nº 4.844/2020, que disciplina o limite obrigatório para registro no Sisbacen de movimentação financeira para o exterior, elevando o patamar anterior de 10 mil reais para 100 mil reais. Segundo o Banco Central, a mudança visa “tornar mais eficiente a captação de informações sobre a movimentação de tais contas, a partir da compatibilização dos custos de observância às necessidades do BC”. Para fins criminais, uma remessa para o exterior no valor de 90 mil reais, por exemplo, não registrada perante o Banco Central, deixará de ser considerada como crime de evasão de divisas.
Já o crime de manutenção de conta não declarada no exterior será modificado pela resolução nº 4.841/2020, que disciplina o limite obrigatório para registro no Sisbacen de recursos mantidos no exterior, elevando o patamar anterior de 100 mil dólares para 1 milhão de dólares. Para o Banco Central, a declaração de capital no exterior possui “objetivo eminentemente estatístico” e a alteração se justifica pela “redução de custos”. Na esfera criminal, a manutenção de uma conta bancária não declarada ao Bacen, por exemplo, com o saldo de 900 mil dólares, já não será mais um crime punido com pena de 2 a 6 anos de reclusão.
Não será a primeira vez que mudanças do Banco Central impactam o Direito Penal. Historicamente, sempre que o Bacen flexibilizou os parâmetros de suas obrigações, admitindo a prática de certas operações, o direito penal também parou de classificar como criminosas as transações financeiras enquadradas nos novos limites. Em termos jurídicos, ocorre a abolitio criminis pela retroatividade da lei mais benéfica.
Uma didática explicação para o fenômeno da abolitio criminis em função de novas normas do Bacen é dada pelo TRF da 1ª Região: “Como o tipo penal em questão necessita de uma norma complementar que discipline quando a remessa de valores ao exterior configura o crime de evasão de divisas, nada mais razoável que aplicar, em casos como os tais, as alterações mais benéficas das normas integrativas, até mesmo porque suas constantes mudanças se dão em virtude de uma melhor política cambial do Estado, que deve alcançar o sistema como um todo” (apelação nº 2007.38.00.033728-2, julgada em 01/10/2019).
Assim, como consequência, as novas normas do Banco Central produzirão efeitos em todos os casos criminais em andamento ou encerrados. Os inquéritos e ações penais sobre evasão de divisas ou manutenção de recursos não declarados no exterior, desde que com valores dentro dos novos parâmetros permitidos pelo Bacen, devem ser prontamente arquivados. Até mesmo a execução da pena deve ser interrompida, extinguindo-se também os efeitos secundários da sentença penal condenatória, como por exemplo o perdimento de bens.
*José Luis Oliveira Lima e Rodrigo Dall’Acqua, advogados criminalistas, sócios do Oliveira Lima e Dall’Acqua Advogados
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