Por Daniel Bialski, Anna Julia Menezes e André Bialski*
Artigo publicado originalmente no Estadão
Em razão da polêmica surgida após a confirmação da condenação do ex-jogador de futebol Robinho, muitas dúvidas foram levantadas e surgiram sobre o que realmente irá acontecer e qual a eficácia da decisão judicial punitiva emitida pela Justiça italiana.
A primeira premissa é que o título condenatório somente poderá gerar efeitos depois do trânsito em julgado daquela decisão que impôs o cumprimento de uma pena fixada em 9 (nove) anos de prisão pela prática do crime chamado pela lei penal italiana de estupro coletivo, previsto no artigo 609 bis do Código Penal italiano. E isso está prestes a ocorrer.
Diante da coisa julgada, caberia à Justiça e ao governo italiano pedir ao governo e à Justiça brasileira a extradição ou solicitar a transferência de execução da pena.
Robinho, por ser brasileiro nato, NÃO PODE ser extraditado, nos moldes do que prevê o artigo 5.º, inciso LI da nossa Constituição Federal: “Nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei”.
E essa recusa, justamente pelo que dispõe nossa Carta Constitucional, está disposta no tratado existente entre Brasil e Itália: “…Quando a pessoa reclamada, no momento do recebimento do pedido, for nacional do Estado requerido, este não será obrigado a entregá-la. Neste caso, não sendo concedida a extradição, a parte requerida, a pedido da parte requerente, submeterá o caso às suas autoridades competentes para eventual instauração de procedimento penal”.
Trata-se de direito inalienável e, assim, o pedido de extradição que poderia ser feito contra Robinho seria indeferido pela Suprema Corte, competente para examinar o cabimento e plausibilidade desse pedido.
Contudo, nos termos da Lei de Migração – Lei Federal 11445/2017 –, caberia o pedido para que aqui no nosso país ele fosse preso e iniciasse o cumprimento da reprimenda lhe imposta. Aliás, o artigo 100 da mencionada norma, total e perfeitamente aplicável ao caso, não deixa dúvidas: “Nas hipóteses em que couber solicitação de extradição executória, a autoridade competente poderá solicitar ou autorizar a transferência de execução da pena, desde que observado o princípio do non bis in idem”.
Portanto, em o governo italiano enviando por via oficial – ainda que por e-mail –, mas com reconhecida autenticidade, já que se admite o conhecimento do pedido desde que os documentos tenham sido encaminhados diretamente pela autoridade do país requerente à instituição intermediária no Brasil, caberia ao Ministério da Justiça e Segurança Pública reencaminhar a solicitação para homologação da condenação penal estrangeira.
Esse pedido deve ser encaminhado ao Superior Tribunal de Justiça, Corte a quem cabe o exame do cabimento e admissibilidade.
Submetido o procedimento à Superior Corte, essa examinará as demais condições, descritas no parágrafo único do mesmo artigo 100 da Lei de Migração, a saber: “…a transferência de execução da pena será possível quando preenchidos os seguintes requisitos: I – o condenado em território estrangeiro for nacional ou tiver residência habitual ou vínculo pessoal no Brasil; II – a sentença tiver transitado em julgado; III – a duração da condenação a cumprir ou que restar para cumprir for de, pelo menos, 1 (um) ano, na data de apresentação do pedido ao Estado da condenação; IV – o fato que originou a condenação constituir infração penal perante a lei de ambas as partes; e V – houver tratado ou promessa de reciprocidade.
Afirma-se que, em se observando o quanto enumerado, verificam-se que todos os requisitos estão atendidos, não havendo qualquer artifício exculpatório para isentar o ex-jogador e seu coacusado do cumprimento da pena no Brasil.
Destaquemos que no Brasil a conduta ilícita atribuída também possui previsão expressa, sendo representada pelo chamado estupro de vulnerável, previsto no art. 217-A, p. 1º, do Código Penal, porque consta da acusação italiana que a vítima se encontrava impossibilitada de se defender-resistir, independentemente da razão. E nossa lei penal substantiva prevê para esse tipo de crime penas de 8 a 15 anos de reclusão. Ou seja, perfeitamente compatível com aquela decretada pela legislação italiana no caso concreto.
Implemente-se que, em sendo realizada a captura e se iniciando o cumprimento da pena fixada, o ex-jogador deverá aguardar o período de 2/5 do total de sua pena (em razão da Lei 11464/07 que alterou o dispositivo da Lei de Crime Hediondos) – um pouco mais de 43 meses – exatamente 1.314 dias, para poder pleitear sua promoção ao regime semiaberto. Aqui não se efetuando o novo lapso imposto pelo prazo disposto no pacote anticrime – que seria de 40% do total da reprimenda – porque seria prejudicial ao apenado e, assim, inaplicável.
Ademais, como se trata de crime cometido com violência a mulher, nos termos das súmulas 26 e 439 do Superior Tribunal em conjugação com o artigo 112 da Lei de Execução Criminal, o juiz poderá, e se entende que deverá, determinar a realização do exame criminológico (análise por psiquiatra, psicólogo e assistente social), justamente para se poder aquilatar se Robinho poderia progredir ao regime intermediário e iniciar seu retorno, ainda que parcial, ao convívio social.
Por conseguinte, expedida a ordem de prisão, essa possuirá validade e pode ser executada em todo o território nacional e Robinho, certamente por ser uma figura pública, notoriamente conhecido, não teria como se esconder e frustrar essa busca.
Saliente-se que, acaso queira fugir do Brasil, igualmente poderia e seria capturado porque o governo italiano comunicará, como já mencionaram, a Interpol da condenação. A polícia internacional emite essa difusão vermelha – red notice – que justamente representa a possibilidade da prisão da pessoa que se encontra em país diverso. Esse comunicado tem caráter de verdadeiro mandado de captura internacional, uma vez que emitido pela Organização de Polícia Internacional (Interpol), possibilitando a divulgação, entre os Estados-membros, da existência de mandados de prisão pendentes de cumprimento, cuja notícia é enviado a todos os países, os quais possuem em suas fronteiras uma listagem desses foragidos. Desta maneira, se alguém que figura nessa lista tentar entrar em um país, é preso e depois enviado ao país que originariamente requisitou a expedição da ordem internacional.
Assim, o mais prudente ao ex-jogador seria se apresentar espontaneamente às autoridades brasileiras e iniciar o cumprimento da pena, buscando futuramente conseguir almejar as progressões e benefícios possíveis e, no futuro, virar essa página sombria de sua trajetória.
*Daniel Bialski, Anna Julia Menezes, advogados; André Bialski, estagiário
Foto: Divulgação