Por Jorge Roberto Khauaja
Artigo publicado originalmente no Estadão
A partir da Resolução n°400/2016 da ANAC, as empresas aéreas passaram a ter autorização para cobrar o despacho de bagagens com mais de 10 quilos. Até esse limite, o passageiro pode ingressar na cabine de voo com uma mala de mão; acima dele, terá que despachar a bagagem pagando pelo seu transporte, o que poderá ser feito no ato de aquisição do bilhete por meio do pagamento de uma passagem mais cara que já inclua o acréscimo de carga.
Nos voos internacionais, já existe regra semelhante: a passagem adquirida para a classe econômica tem um limite de bagagem inferior ao disponível para a classe executiva (ou business), e da mesma forma que essa classe tem um diferencial em relação ao bilhete comprado para viagens em primeira classe. Em todas elas, entretanto, se o passageiro quiser ampliar a quantidade bagagem a ser transportada, também terá que pagar pelo extra.
A diferença é que, nos voos domésticos, não é a quantidade de bagagem despachada que é diversa, mas sim a condição de despachá-la gratuitamente ou não.
Atualmente, todas as empresas (ou em sua grande maioria) permitem o transporte de volumes pequenos até 10 kg acima dos assentos (nos chamados “bins”), além de uma mochila ou bolsa que, esta sim, deve ser acomodada embaixo do banco.
A crítica mais comum que tal dispositivo vem recebendo seria que a simples aquisição do bilhete aéreo configuraria um contrato em que já estaria incluído o transporte da bagagem.
Em tese, aqueles que se opõem à resolução da ANAC argumentam que o Código de Defesa do Consumidor (CDC), em seu artigo 39, inciso I, define e condena o que é chamado de “venda casada”, ao dizer ser vedado ao fornecedor de produtos ou serviços “condicionar o fornecimento de um produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos”. Sob esta ótica, o transporte da bagagem estaria incluído no serviço de transporte fornecido.
Segundo o posicionamento dos ministérios públicos Federal bem como de alguns estados (Rondônia e Goiás, por exemplo), a prática seria abusiva e ilegal, pois iria de encontro ao art. 222 da Lei nº 7.565/86 (Código Brasileiro de Aeronáutica). O dispositivo prevê que o contrato firmado com a companhia aérea é único e inclui o transporte de passageiro e bagagem.
Sendo este o entendimento aplicável no tocante à franquia de bagagem, é importante observar que os mecanismos atualmente constantes na legislação de aviação civil para regular as tarifas de excesso de carga estariam em dissonância com o que se determinou como regime de liberdade tarifária. Propõe-se deixar a critério de cada transportador estabelecer o valor que será cobrado pelo excesso de bagagem (assim como já ocorre com as tarifas aéreas), sendo compulsória a ampla e prévia publicidade da forma e dos termos nos quais será feita a cobrança.
A Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor (Senacon), do Ministério da Justiça, também vem acompanhando o tema, por meio de consultas públicas. Tem feito, ainda, questionamentos pontuais e diretos às empresas aéreas.
Ocorre que, nos últimos dias, iniciou-se um movimento – em especial por aquelas empresas que se denominam “low cost” e que recém iniciaram suas operações no Brasil – no qual algumas companhias vêm flexibilizando ainda mais a Resolução 400 da ANAC e determinando que mesmo o transporte de bagagens de até 10 kg a bordo só seria realizado sem cobrança, se esse volume fosse acomodado embaixo do banco do passageiro e não nos “bins”. Para tal transporte, a companhia aérea entende que estaria liberada para cobrança, ainda que a bagagem estivesse no limite do peso.
Para tais empresas, qualquer custo adicional impacta diretamente na sua política tarifária e na oferta de valores de passagens realmente a um custo muito inferior ao normalmente praticado por empresas aéreas “tradicionais”. Portanto, esse custo deveria ser suportado pelo consumidor final.
A reação a tal decisão, já gerou, pelo Procon SP, uma notificação às empresas que anunciaram tal cobrança, para que estas esclareçam sobre esta nova prática, informando as condições em que tal cobrança e como esse transporte seria realizado. Na visão do Procon, os passageiros têm o direito de transportar, pelo menos, os 10 quilos na forma tradicional, ou seja, nos “bins”, quer seja por uma questão de interpretação da Resolução 400, quer seja por uma questão de segurança operacional.
Em realidade, a Resolução 400 não é clara ao delimitar restrições ou regras específicas, mas genérica ao não determinar o local onde o volume deve ser transportado, permitindo-se que exista essa interpretação não-restritiva.
Se analisarmos a lei sob a visão de que o transporte do passageiro é um serviço distinto do transporte da sua bagagem — e aqui é importante ressaltar que o transporte da bagagem é cumprido na aquisição do bilhete —, pode-se concluir que a Resolução nº 400, da ANAC, de fato, veio regular o que já se estava praticando no mercado, porém sem uma regra clara.
No nosso entendimento, podem ser considerados serviços diferentes, de um lado, vender uma passagem para o transporte de um passageiro e, por outro lado, vender uma passagem para transportar um passageiro com bagagem acima de 10kg.
A prática, agora tornada regra pela ANAC, positiva a racionalidade econômica do transporte aéreo, permitindo que passageiros que transportem menor quantidade de bagagem possam pagar tarifas menores do que aqueles que transportam a quantia total permitida ou até mais.
Obviamente, essa diferenciação de tarifas não será determinada apenas pela norma legal, mas pelo próprio mercado, que se ajustará ao novo cenário.
O mercado, mais uma vez, será o fiel regulador dessa nova modalidade de cobrança, até que a própria Agência Reguladora ou, em última instância, o Judiciário, determine a interpretação que entender correta.
Jorge Roberto Khauaja, coordenador do departamento de Direito Aeronáutico do BNZ Advogados