Por Samantha Mendes Longo*
Artigo publicado originalmente na ConJur
Com o fechamento de grande parte do comércio, indústria e serviços, e com o confinamento imposto às pessoas a fim de evitar a propagação da Covid-19, os empresários, dos mais diversos ramos de negócios, estão vivendo um período negro. Muitos já não enxergam a luz no fim do túnel.
Muito se tem falado sobre confinamento horizontal e vertical e como equacionar as medidas necessárias a salvar vidas com aquelas fundamentais para salvaguardar as empresas e os negócios. A discussão é tensa e complexa.
É fato que as pessoas cada vez se relacionam mais. Incontáveis contratos são celebrados por dia, ainda que não escritos, mas, não obstante o gigantesco número negocial, a comunicação entre os indivíduos tem sido cada vez menos eficiente. Falta paciência, tempo e disposição para ouvir o que o outro tem a dizer.
A pandemia da Covid-19 mudou radicalmente nossas rotinas, chacoalhando nossos hábitos. Então, por que não aproveitarmos essa alteração brusca, inesperada e intensa em nossas vidas, para trilharmos o caminho da necessária mudança de comportamento no que se refere à solução de conflitos?
O pequeno, médio ou grande empresário pode se valer de ferramentas alternativas à jurisdição estatal para vencer esta crise e continuar em pé, exercendo suas atividades. O mais importante no momento é acreditar que dialogar e negociar com seus empregados, fornecedores, credores, parceiros, locadores, dentre outros, pode conduzir a uma saída distinta da quebra. E usar profissionais experientes em técnicas de negociação, conciliação e mediação pode contribuir nesse momento em que as emoções tendem a dominar a razão.
Corroborando que o diálogo é fundamental para solucionar conflitos, o Conselho Superior da Justiça do Trabalho publicou no dia 25 de março a Recomendação 01/2020 que trata da adoção de diretrizes excepcionais para o emprego da mediação e da conciliação em conflitos individuais ou coletivos trabalhistas, no contexto da vigência da pandemia.
Em live realizada em 30 de março, em que o presidente do Supremo Tribunal Federal e o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil falaram sobre as preocupações e medidas em torno da Covid-19. Felipe Santa Cruz foi muito feliz em sugerir que os advogados procurem os advogados da parte adversa para tentarem celebrar acordos, visando a encerrar litígios. O ministro Dias Toffoli, aliás, é um dos grandes entusiastas dos métodos alternativos e em diversas oportunidades já deixou claro que a mediação é fundamental para reduzirmos a litigiosidade e alcançar a paz social.
Em 31 de março, o Conselho Nacional de Justiça aprovou a Recomendação nº 63, com orientações gerais a todos os magistrados com competência para o julgamento de recuperações empresariais e falências. A ideia central do importante e pertinente ato normativo é mitigar os efeitos econômicos decorrentes das medidas recomendadas pelas autoridades sanitárias.
A Recomendação permite, por exemplo, que as empresas em recuperação apresentem aditamento ao plano de recuperação já aprovado pelos credores, caso comprovem a redução de sua capacidade de cumprimento das obrigações em razão da pandemia e recomenda aos juízes cautela na apreciação de pedidos urgentes como despejo por falta de pagamento e realização de atos executivos de natureza patrimonial contra as recuperandas.
Prevê ainda a prorrogação do stay period nos casos em que a assembleia geral de credores for adiada e clama prioridade na expedição de mandados de levantamento eletrônicos.
O Conselho Nacional de Justiça, aliás, em outubro de 2019 aprovou a Recomendação nº 58 orientando a todos os magistrados responsáveis pelo processamento e julgamento dos processos de recuperação empresarial e falências, de varas especializadas ou não, que promovam, sempre que possível, nos termos da Lei nº 13.105/2015 e da Lei nº 13.140/2015, o uso da mediação, de forma a auxiliar a resolução de todo e qualquer conflito entre o empresário/sociedade, em recuperação ou falidos, e seus credores, fornecedores, sócios, acionistas e terceiros interessados no processo.
E a experiência prática mostra que tem sido cada vez mais frequente o uso da mediação em processos de recuperação, de forma presencial e online, com excelentes resultados. A recuperação judicial do Grupo Oi é um excelente exemplo de caso exitoso.
Na mesma linha, é a recente proposta legislativa apresentada pelo deputado Hugo Leal para alterar a Lei de Recuperações e Falência. O projeto cria, para esse momento especial da Covid, um procedimento de negociação coletiva entre o devedor e seus credores, incentiva os empresários, que estão sofrendo em demasia com o fechamento dos seus negócios, a dialogarem e negociarem diretamente com seus credores, evitando falências e processos de recuperação judicial.
O procedimento, em apertada síntese, se inicia com uma petição do devedor ao juiz competente, demonstrando a queda de faturamento de pelo menos 30% em razão da pandemia. O juiz nomeia um negociador, indicado pelo devedor, para auxiliá-lo nas conversas com seus credores. O devedor terá 90 dias para concluir a negociação, ficando protegido neste período de cobrança de dívidas, despejo e realização de garantias. Ou seja, um incentivo para o diálogo e para a construção pelas próprias partes de uma solução.
Nesse cenário, convém também lembrar do instituto da recuperação extrajudicial, ainda pouco utilizado no Brasil (em média, para cada 10 pedidos de recuperação judicial há apenas 1 pedido de recuperação extrajudicial) e que pode ganhar terreno. Na recuperação extrajudicial, o empresário busca reestruturar suas dívidas, negociando com seus credores, ou apenas parte deles, um plano de pagamento, garantindo a continuidade de suas atividades, sem a necessidade de suportar os custos financeiros e de imagem da recuperação judicial.
Enfim, estão à disposição do empresário ferramentas que podem ajudá-lo a enfrentar essa inesperada crise. O diálogo, a negociação, a mediação e a conciliação fortalecem e empoderam os indivíduos, tornando-os mais seguros, autônomos e independentes e, no fim das contas, mais felizes e realizados. À primeira vista, pode parecer ingenuidade ou imaturidade. Mas o que é simples, comum, singelo muitas vezes é confundido com tolice ou utopia.
Espera-se que fomentando a utilização dos métodos alternativos ao Poder Judiciário, hoje chamados de métodos adequados de solução de controvérsias, as empresas possam superar esse tempo sombrio.
Samantha Mendes Longo é sócia de Wald, Antunes, Vita, Longo e Blattner Advogados; Membro do grupo de recuperação judicial criado pelo CNJ; Secretária-Adjunta da Comissão de Recuperação Judicial e da Comissão de Mediação, ambas da OAB; conselheira e presidente da Comissão de Relação com o Poder Judiciário da OAB/RJ. Professora da EMERJ e ESAJ.