Por Mariana Machado Pedroso
Artigo publicado originalmente no Estadão
A já reconhecida pandemia relacionada ao covid-19 vem alterando substancialmente as relações sociais — sobretudo em lugares com grande concentração populacional — e, é claro, a economia mundial.
As situações, portanto, têm se alterado com a rapidez da disseminação do vírus, o que impede que as respostas dadas pelos governos acompanhem as modificações de maneira cadenciada e efetiva.
Por óbvio, essa dificuldade de apresentar soluções efetivas para tentar parar, ou ao menos, diminuir a velocidade com que o coronavírus se espalha, também tem atingido as empresas no Brasil, independentemente do tamanho delas. O estado de alerta é permanente e as orientações se alteram constantemente.
Nessa linha de raciocínio, têm sido crescentes as recomendações para que essas empresas incentivem seus empregados a trabalhar em casa – home office¬ – quando a atividade permitir, principalmente em locais onde o número de pessoas diagnosticadas com o vírus tem registrado crescimento expressivo.
Mas, como ficam os empregados que trabalham exatamente no segmento de saúde e bem-estar? São eles obrigados a trabalhar mesmo entendendo que isso irá colocar sua saúde em risco? Até que ponto pode o empregador impor a continuidade dessas atividades?
Diante deste cenário, é importante, de início, lembrar que para aqueles profissionais que trabalham em hospitais e centros de saúde com efetivo contato com pacientes (médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, recepcionistas de hospital, motoristas de ambulância etc.), a exposição ao risco para sua saúde é rotineira e faz parte da própria atividade.
Nesses casos em que não há como evitar o contato, já que daí decorre o próprio labor, o legislador trabalhista, seguindo seus princípios, impôs o pagamento de um adicional considerando a exposição acima do que seria tolerável e comum: é o chamado “adicional de insalubridade”, parcela que pode corresponder a 10, 20 ou 40% do salário mínimo a depender do agente, excluída daqui a discussão jurisprudencial sobre sua base de cálculo.
Mas é bom lembrar que esse segmento — saúde e bem-estar — não é formado somente por hospitais e centros de saúde. Indústrias e laboratórios farmacêuticos, empresas de comercialização de produtos farmacêuticos, transportadoras e importadoras desses produtos são algumas das atividades econômicas desenvolvidas neste setor.
Isso envolve, sem sombra de dúvidas, um volume de distintas atividades profissionais, com uma gama de interações rotineiras que certamente deverão sofrer alterações e restrições nesta fase delicada de adoecimento populacional pelo coronavírus.
Tomando por base, inicialmente, aqueles empregados que atuam em escritórios e unidades fabris neste setor, certamente serão recomendadas a eles as mesmas práticas e cuidados a serem adotados pelas demais empresas brasileiras de segmentos diversos.
Já para aqueles outros profissionais do segmento de saúde e bem-estar, tais como propagandistas vendedores e vendedores externos de produtos farmacêuticos, cuja atividade envolve interação com o público em geral, a atenção deverá ser redobrada. Lembrando que esse público — em regra médicos e farmacêuticos — trabalha em consultórios, farmácias e centros de estética.
Certamente virão recomendações para a desaceleração dessas atividades em razão da grande exposição ao risco. Além do que pela própria atividade, que rotineiramente envolve a visitação de médicos em consultórios, poderão ser estes profissionais identificados como potenciais “vetores” de transmissão.
Mas, respondendo aos questionamentos acima feitos: os empregados desse setor serão obrigados a trabalhar mesmo entendendo que isso irá colocar sua saúde ou, até mesmo, sua vida em risco?
Como é sabido, a recusa do empregado em seguir as ordens lícitas dadas pelo empregador poderá ensejar uma punição que vai desde uma simples advertência até a dispensa por justa causa, em casos mais graves. Deste modo, a análise do questionamento reside exatamente em entender se tal recusa, no caso concreto, será (ou não) legítima e, portanto, poderá — ou não — ser punida.
Nesse ponto, vale lembrar que, atualmente, não há qualquer determinação do governo federal, de âmbito nacional, que imponha quarentena à população não diagnosticada, limitando suas recomendações para aquelas pessoas que testarem positivamente para o covid-19 ou sejam egressas das áreas de risco.
Evidente que é de bom tom, sobretudo se considerarmos o segmento de atuação, a produção de informativos internos sobre a doença, métodos de contágio e profilaxia necessária para mitigar as possibilidades de infecção. Adotar precauções para que todos aqueles que venham a apresentar os sintomas característicos da doença – que se assemelham aos de uma forte gripe – interrompam, de imediato, suas atividades e busquem atendimento médico, ou evitar reuniões maiores é fortemente recomendado.
E nesse caminhar, importante destacar que o empregador tem a obrigação social de esclarecer seus empregados e, assim, contribuir para a disseminação de informações à população em geral. E mais: também é ele responsável pela saúde e segurança de seus empregados no ambiente de trabalho, razão pela qual mesmo não sendo possível, sequer razoável, a atribuição de responsabilidade a ele pela disseminação do coronavírus, até mesmo por se tratar de uma pandemia, é fortemente aconselhado que sejam adotadas medidas para auxiliar na contenção do vírus.
Claro que situações excepcionais merecem a adoção de medidas diferenciadas também afetas às relações de trabalho. Lembrando, porém, que cada caso deverá ser individualmente avaliado, sempre objetivando contribuir para que essa fase, já tão delicada, transcorra de maneira menos traumática.
Mariana Machado Pedroso, advogada especializada em Direito do Trabalho, é sócia do Chenut Oliveira Santiago Advogados