Por Joaquim Pedro de Medeiros Rodrigues*
Artigo publicado originalmente no Estadão
A repercussão do caso ocorrido na cerimônia de entrega do Oscar de 2022 envolvendo os artistas Will Smith, Jada Smith e Chris Rock desperta a discussão sobre alguns aspectos do dia a dia da vida em sociedade. Vamos analisá-lo sob a ótica da exclusão de ilicitude da legítima defesa. É preciso reafirmar, contudo, que a violência não é a forma adequada para se opor às agressões, tanto que apenas excepcionalmente se autoriza a legítima defesa.
Embora ocorrido nos EUA, que possuem as próprias regras de excludentes de ilicitude, a legítima defesa possui um aspecto mais ou menos uniforme na sociedade ocidental, de modo que se pode tomar como empréstimo o modelo adotado aqui no Brasil.
Para a lei brasileira, a legítima defesa é a conduta daquele que, em razão de injusta agressão, atual ou iminente, usa moderadamente os meios para repeli-la, tudo em defesa de direito próprio ou alheio.
Em outras palavras, é possível – e previsto expressamente – que se aja em legítima defesa para defender o direito de terceiro. Além disso, o agente deve repelir a agressão imediatamente, tendo em vista que ela precisa ser atual ou iminente. E mais, a ofensa ao direito deve ser injusta, de modo que o agente não tenha dado causa a ela. Por fim, deve-se utilizar os meios moderados.
Na hipótese amplamente retratada, Chris Rock, comediante que estava apresentando o evento, iniciou uma série de referências – com conotação a priori humorística – a uma condição física de Jada Smith. Ao término de uma das referências, Will Smith levanta-se e, indo em direção a Chris, desfere um tapa no rosto do apresentador, que deixa de reagir. Ao voltar para seu assento, Will fala algumas vezes para que o apresentador deixe de utilizar o nome de Jada.
As brincadeiras de mau gosto, especialmente essas utilizadas por Chris, costumam ser crimes contra a honra, seja difamação, calúnia ou injúria. Algumas ocasiões podem ser crimes ainda mais graves, como acontecem no fenômeno hoje conhecido como bullying. O apresentador evidentemente atacou a honra objetiva de Jada Smith, que se viu constrangida diante de milhões de telespectadores. A pretensão de Chris Rock era arrancar o maior número possível de aplausos e risos de uma condição que gera um sentimento negativo da vítima, que se sente inferiorizada, diminuída e vulnerável perante toda a sociedade.
A honra recebe uma proteção jurídica especial não apenas no Brasil, estando no rol de garantias individuais – e constitui crime a sua ofensa, conforme prevê o Código Penal. Sendo, portanto, um direito individual de cada um, as ofensas verbais desferidas pelo apresentador podem ser alvo de imediata repulsa pela vítima ou por terceiro.
Destaquemos que o Supremo Tribunal Federal, em recente decisão, entendeu não ser possível em casos de homicídio suscitar a tese de legítima defesa da honra. Absolutamente, não é o caso que envolve Will Smith. Primeiro, não se trata de homicídio. O golpe desferido pelo artista, no máximo, é enquadrado como a contravenção “vias de fato”, que, no Brasil, não é crime. E, mais: tratou-se de uma ofensa contra a honra objetiva de uma mulher, autorizando, assim, a legítima defesa de terceiro.
Ao se levantar, dirigir-se até o apresentador e desferir o tapa, Will Smith estava albergado pela legítima defesa de terceiro. Ora, o artista utilizou o meio proporcional para censurar e interromper a injusta agressão de forma imediata. O golpe não foi suficiente nem sequer para derrubar o apresentador, que, diante do susto, ficou atônito e ouviu o comando daquele que saiu na defesa do direito de terceiro: interrompa a brincadeira.
A conduta praticada pelo artista não é relevante para o Direito Penal, pois se exclui eventual crime praticado. Embora, como dito no início, a violência não seja a melhor resposta, a construção do ordenamento jurídico é no sentido de que, em defesa da honra de terceiro, pode-se adotar os meios proporcionais para repelir a injusta agressão, seja ela atual ou iminente.
*Joaquim Pedro de Medeiros Rodrigues, advogado em Brasília, mestre em Direito Constitucional pelo IDP