Opinião

Novas regras do BC

Norma de prevenção à lavagem de dinheiro surge em boa hora

Por Valdir Moysés Simão e Pedro Henrique A. Benradt*

Artigo publicado originalmente no Estadão

Entrou em vigor, em 1.º de outubro, a Circular 3.978/20, instituída pelo Banco Central do Brasil como a principal norma de prevenção à lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo (PLDFT) a ser observada pelas instituições financeiras. O novo arcabouço regulatório revoga a Circular 3.461/09, que permaneceu em vigor por mais de dez anos.

A nova circular é fruto das recomendações do Gafi/FATF, organização intergovernamental cujo propósito é desenvolver políticas nacionais e internacionais de PLDFT, e da Enccla, rede de articulação para o arranjo e discussões em conjunto com órgãos dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, para a formulação de políticas públicas voltadas para o combate aos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.

Embora haja uma relativa flexibilização em determinados critérios, a circular consolida a maturidade do sistema financeiro pátrio ao adotar a abordagem baseada em risco (risk-based approach), de modo que as instituições passem a direcionar com mais eficiência seus recursos. A metodologia já é amplamente adotada internacionalmente.

Não é por acaso que o Brasil ostenta um dos sistemas financeiros mais regulados e seguros do mundo. Recentemente, grandes bancos multinacionais foram implicados num escândalo envolvendo transações oriundas de atividades criminosas das mais variadas, lavagem de capitais e financiamento ao terrorismo. Mas nosso sistema bancário passou incólume a mais este escândalo internacional, assim como foi na crise do subprime em 2007, o que demonstra sua higidez e maturidade do ponto de vista regulatório-financeiro. É inegável que a nova regulamentação aumentará a transparência e dará maior segurança aos investidores.

A política de PLDFT deve ser necessariamente compatível com os perfis de risco dos clientes, da própria instituição, das operações, dos produtos e serviços oferecidos, bem como dos funcionários, parceiros e prestadores de serviços. Houve inovação com a metodologia de risk-based approach, permitindo uma flexibilização dos critérios para identificação, classificação e monitoramento de clientes, tendência regulatória já observada internacionalmente. A abordagem baseada em risco permite que as instituições financeiras direcionem seus recursos com mais eficiência e apliquem medidas mitigatórias que correspondam aos seus respectivos riscos de PLDFT. Para tanto, não basta só crir um regramento “no papel”. Muito ao contrário, há que atuar de forma mais efetiva, considerando o dinamismo da instituição e, consequentemente, a mutação de seu perfil de risco.

Quanto aos procedimentos de know your client, é possível identificar um movimento de desburocratização e otimização da prestação de serviços financeiros, quando analisada a nova e significativa limitação do número de informações obrigatórias para cadastro de pessoas físicas e jurídicas.

Por outro lado, a circular prevê a necessidade de obtenção de informações extras, segmentando o processo de identificação e qualificação dos clientes por meio da coleta, verificação e validação de informações, em compatibilidade com o perfil de risco do cliente e com a natureza da relação de negócio.

Não menos importante foi a novidade sobre a necessidade de as instituições estabelecerem mecanismos de acompanhamento e de controle a fim de assegurar a implementação, a efetividade e a adequação da política de PLDFT, bem como dos procedimentos e controles internos estabelecidos na circular.

A Circular 3.978/20 surge em boa hora, uma vez que ratifica a solidez do sistema financeiro nacional em termos de PLDFT, aproxima o Brasil das melhores práticas internacionais e evidencia uma mudança de mindset no setor.

Valdir Moysés Simão, sócio do Warde Advogados, ex-ministro-chefe da CGU

Pedro Henrique A. Benradt, advogado do Warde Advogados, com atuação em compliance, anticorrupção e consultivo societário e comercial

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