Opinião

Nova Lei de Improbidade Administrativa tem importantes inovações

Mudanças introduzidas na Lei 8.429/1992 são muitas e todas igualmente relevantes

3 de novembro de 2021

Por Daniel Gerber e Mariana Costa de Oliveira*

Artigo publicado originalmente no Estadão

A publicação e entrada em vigor da Lei 14.230, de 26 de outubro de 2021, abrem uma nova fase judicial na atividade de repressão a atos de improbidade administrativa. Pode-se dizer que as mudanças introduzidas na Lei 8.429/1992 são muitas e todas igualmente relevantes. No entanto, a imposição de que a conduta somente se configura como ato ímprobo quando praticada dolosamente merece ser destacada (art. 1º, parág. 1º). Isso quer dizer que os atos imprudentes, imperitos ou negligentes estão excluídos de serem classificados como merecedores de repressão sobre o rótulo de improbidade, embora possam ser sancionados a outros títulos.

Essa mudança é do mais alto significado prático. Isso porque liberta os agentes públicos do temor de se verem processados por improbidade por simples erros de avaliação ou execução de atividades. Agora, sempre se requer a presença do dolo como elemento integrador de cada tipo ímprobo – consequentemente, indispensável à sua configuração. As iniciais de ações de improbidade terão de trazer a demonstração inequívoca de que o agente, ao agir, desejou o resultado danoso contra a Administração Pública, sob pena de sua inaceitação judicial. Vale destacar que a lei trouxe o conceito de dolo no seu art. 1º, parágrafo 2º, evitando diversas interpretações antagônicas que poderiam surgir nos Tribunais, cenário evidentemente não recomendável quando se trata de direito sancionador.

Ainda sobre a importância de definições expressas em lei daqueles comportamentos que se busca coibir, o art. 11, da Lei 8.429/92, passa a ser explicitamente taxativo, limitando às opções descritas em seus incisos. Se consideramos que este artigo era o mais problemático na jurisprudência do STJ – porquanto, quando considerado exemplificativo, abria margem para um universo de condutas enquadráveis por analogia etc. – temos que reconhecer o profundo avanço técnico do legislador e a solidez da garantia ofertada ao jurisdicionado.

Outra novidade foi a instituição do monopólio ou exclusividade do Ministério Público na promoção da ação de improbidade administrativa. Melhor seria que se tivesse mantido concorrência do próprio órgão lesado na legitimação subjetiva ativa dessa ação sancionadora. De qualquer modo, a novidade foi implantada e terá de ser observada daqui para frente. As ações de improbidade administrativa eventualmente propostas por órgãos ou entidades da Administração Pública terão de passar pela ratificação do Ministério Público – essa logística, certamente, gerará dúvidas que, ao fim, serão decididas pelo Poder Judiciário.

Observa-se ainda que a ratificação, em acordo com o dever de motivação dos atos públicos, terá de ser juridicamente fundamentada, não bastando, portanto, a sua mera declaração.

No campo das novidades também é importante salientar que a nova lei implantou a conversão de penalidades em prestações pecuniárias, coisa que vinha há muito tempo sendo sugerida pelos especialistas do tema. A celebração de acordos entre o Ministério Público e os processados por improbidade também é uma novidade notável, pois se trata de faculdade já operante na seara sancionadora penal e é uma importante ferramenta do direito contemporâneo que se dispõe a evitar o litígio, quando possível. Não havia razão jurídica que amparasse a sua não extensão aos ilícitos ímprobos e, certamente, a outros ilícitos administrativos.

A escala mais específica entre a gravidade do ilícito e a aspereza da sanção é outra inovação de vulto, pois conduzirá à progressiva evolução da ideia de que as infrações de baixíssimo potencial ofensivo merecerão tratamento diferenciado e prioritariamente negocial, evitando o desnecessário – e custoso – movimento repressor em situações em que sua incidência se torna mais danosa do que o próprio ato. As chamadas bagatelas ficarão excluídas da sancionabilidade das improbidades ou, pelo menos, com sanções proporcionais à reprovabilidade da conduta – isso também vai depender, por óbvio, da sensibilidade dos julgadores.

Relevantíssima também é a introdução da improcedibilidade da ação de improbidade quando o imputado tiver sido absolvido na esfera criminal por decisão colegiada pelos mesmos fatos (art. 21, parág. 4º). Isso quer dizer que desaparece de cena a famigerada e injusta compreensão de que a absolvição por falta de provas não repercutiria na instância administrativa sancionadora, ideia que já vinha sendo sustentada sem sucesso no STJ, por um ministro que se tornou conhecido como inflexível garantista – eis um exemplar de sua lavra o qual restou vencido na 1ª turma do STJ: REsp. 1.388.363/RS, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe 18/10/2016).

Por fim, poder-se-ia anotar outros pontos apreciáveis da nova legislação, mas o ideal será aguardarmos a jurisprudência tomar seus contornos e se adaptar ao universo judicial propriamente dito.

Até lá, espera-se que o Poder Judiciário reconheça e valide o espírito buscado pelo legislador que, claramente, entendeu o excesso punitivista como problema a ser enfrentado e evitado em prol da própria Administração.

*Daniel Gerber é advogado criminalista, especialista em Direito Penal Econômico e mestre em Ciências Criminais, sócio-fundador do escritório Daniel Gerber Advogados Associados

*Mariana Costa de Oliveira é mestre em direito Constitucional, advogada do escritório Daniel Gerber Advogados Associados, ex-assessora de ministro do STJ

 

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