Por Douglas Guilherme Filho*
Artigo publicado originalmente no Estadão
A Medida Provisória nº 889/2019, popularmente conhecida como “MP do Contribuinte Legal”, foi sancionada e convertida na Lei nº 13.988/2020 em abril.
A Lei do Contribuinte Legal tem como objetivo estimular a resolução de conflitos fiscais entre os contribuintes e a União Federal, estabelecendo os requisitos e as condições para que a transação possa ser uma forma de solução de litígios tributários.
Além disso, dentre as mudanças trazidas pela nova norma, a grande inovação para os contribuintes foi a inclusão do artigo 19-E à Lei nº 10.522/2002, que extinguiu o voto de qualidade, no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF).
Isso porque, anteriormente à edição da Lei nº 13.988/2020, em caso de empate no julgamento de processo administrativo, o artigo 25 do Decreto nº 70.235/72, previa que os casos que envolvessem discussões de créditos tributários perante o CARF, deveriam ser julgados de maneira favorável à Fazenda Pública, mantendo-se, assim, a exigência fiscal.
Assim, na prática, tal medida tem como objetivo alterar a sistemática de julgamento pelo referido Tribunal. Caso ocorra empate no julgamento de processo administrativo que discuta a constituição e/ou exigência de crédito tributário, a decisão deve ser favorável aos contribuintes.
Vale destacar que, em consonância com o disposto no artigo 45 do Decreto 70.235/72, as decisões favoráveis aos contribuintes não podem ser submetidas ao julgamento do Poder Judiciário, tornando a decisão administrativa imutável.
Entretanto, é preciso olhar a mudança legislativa com certa ressalva, uma vez que o artigo 19 -E, da Lei nº 10.522/2002, autoriza apenas o julgamento de maneira favorável aos contribuintes que versem sobre constituições de créditos tributários.
Desta forma, a medida poderá deixar de fora litígios que versem sobre compensações tributárias. Estes processos não tratam direta e especificamente sobre a exigência de crédito tributário, decorrentes de suposta falta de pagamento ou pagamento a menor, mas sim de reconhecimento da existência de saldo credor, apto à liquidar outros créditos débitos.
Além disso, contribuintes que tiveram exigências fiscais, mantidas por conta do voto de qualidade, em período anterior à edição da Lei 13.988/2020, certamente questionarão a sua aplicabilidade junto ao Poder Judiciário. Isso com o objetivo da desconstituição do crédito tributário, que foi mantido na esfera administrativa por tal metodologia.
Por outro lado, a extinção do voto de qualidade, poderá trazer consequências adversas aos contribuintes, já que, em razão de possível queda de arrecadação, a União Federal poderá pleitear eventual possibilidade de discussão da exigência fiscal junto ao Poder Judiciário, o que, atualmente, é vedado, conforme mencionado acima.
De qualquer forma, ainda que a medida já seja objeto de questionamento junto ao Supremo Tribunal Federal, por meio de Ações Direitas de Inconstitucionalidade – ADI, tais como a ADIN nº 6.403 (ajuizada pelo Partido Socialista Brasileiro – PSB), fato é que a extinção do voto de qualidade representa uma verdadeira vitória aos contribuintes, já que, a título exemplificativo, no ano de 2019, apenas 24,53% dos casos que foram concluímos por tal sistemática tiveram um desfecho favorável aos contribuintes.
*Douglas Guilherme Filho, advogado tributarista na Diamantino Advogados Associados e professor assistente na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)