Opinião

Metaverso e a estratégia da China

Novo cenário requer evolução, principalmente em termos de infraestrutura de rede

20 de janeiro de 2022

Por Guga Stocco

Artigo publicado originalmente no GGN

A mensagem da China no fim de novembro foi clara.

Em evento público para anunciar o lançamento de um comitê supervisionado pelo governo, um dirigente chinês afirmou que o metaverso impulsionará o desenvolvimento de tecnologia na próxima década e estabelecerá um novo patamar de competição na economia digital de todas as nações. Enquanto o Ocidente discute se o país é ou não capaz de tirar a supremacia do dólar, a China parece estar mais interessada em dominar o comércio global e estabelecer seu poder e influência dominando a próxima geração de internet.

Mas a China e o Ocidente têm concepções diferentes a respeito do que será, na prática, o metaverso. De forma geral, há um entendimento de que é um cenário (não um lugar) que envolverá uma experiência tridimensional da internet, ao mesmo tempo que integrará e combinará o mundo físico e o mundo virtual.

O Facebook, que não por acaso agora se chama Meta, diz acreditar que essa experiência se dará inicialmente pelo desenvolvimento de realidade aumentada e virtual – e os óculos que vem apostando há anos terão papel central em sua estratégia.

A Microsoft tem um foco no mercado de privacidade de dados e aplicativos corporativos e quer dominar o B2B do novo tipo de imersão digital. Somente o Microsoft Teams tem atualmente mais de 145 milhões de usuários ativos diários – uma ampla amostra para testar a integração de novas tecnologias, de jogos à Óculos VR.

Já a Amazon tem muito a crescer a partir do maior desenvolvimento de seus sistemas operacionais de inteligência artificial. Longe ainda do que o metaverso será capaz de entregar, a Alexa já proporciona uma pequena e ainda superficial experiência de como esse mundo integrado (digital e real) poderá influenciar as nossas rotinas.

A corrida da China, porém, consiste principalmente na digitalização de seu sistema financeiro. Se sua moeda, o yuan, nunca ganhou a confiança global exigida para transacionar commodities, os anos 2000 criaram empresas chinesas que se tornaram referência para diversos tipos de processos, sistemas e redes, principalmente em plataformas digitais (WeChat e Alibaba) e produtoras de tecnologia (Huawei). Hoje o país lidera o B2C em várias frentes.

A pujança das fintechs chinesas, com seus “superapps” e sistemas para pagar com QRCode, vem eliminando o uso do dinheiro físico no pais.

Recentemente, a China começou a inserir em sua economia a moeda digital oficial de seu banco central. Em outubro, cerca de 140 milhões de pessoas abriram suas “carteiras” para o novo yuan digital em outubro e o usaram para transações que totalizaram cerca de US$ 9,7 bilhões. Além disso, mais de um milhão de comerciantes no pais já estão habilitados para aceitar essa nova moeda. No mundo dos CBDCs (Central Bank Digital Currency), que concentram os esforços de BCs em desenvolver moedas digitais para modernizar o sistema financeiro ou acelerar pagamentos internacionais, a China já tem um projeto piloto nada desprezível.

Mas o principal ativo do pais na corrida pelo metaverso está na estruturação de seu polêmico sistema de crédito social, que centraliza dados estatais e das empresas de tecnologia para monitorar e direcionar comportamentos dos cidadãos. Esse sistema permite a centralização de todo o consumo na internet e regulação. Também integra comportamento e imersão digital. Para funcionar, demandou a instalação de sensores e de sofisticados sistemas de reconhecimento facial, coletando informações em um nível difícil de imaginarmos anos atrás. E se é importante refletir se esse sistema é ético ou autoritário, o fato é que o sistema traz uma competitividade enorme ao governo. Afinal, o futuro que estamos falando agora envolve codificar comportamentos e quebrar de vez as barreiras entre mundo físico e virtual.

Em um artigo recente, Michael Spencer, editor do “The Last Futurist”, defendeu que o CBDC da China pode ser o elemento-chave na criação do metaverso. “A criação do metaverso demanda o tipo de coordenação e colaboração entre diferentes empresas como a China está criando. A China está pensando em como a IA pode ser aproveitada para criar algo totalmente novo e sem precedentes”, disse. Recentemente, um diretor do Banco Popular da China, o BC local, sugeriu aplicar inteligência artificial e aprendizado de máquina para fortalecer o monitoramento e análise das transações de ativos digitais no país. No fundo, ao buscar a integração de sua economia – entre a economia do mundo físico e do mundo digital – a China pode acabar criando o metaverso. Ou será que é o metaverso que irá materializar essa integração?

O metaverso chinês que se desenha é, portanto, bem diferente dos esforços ocidentais – que são mais fragmentados. Do lado de cá, parece ser mais provável que o desenvolvimento de uma experiência completamente imersiva e que mude a percepção do nosso entorno tenha mais chances de ocorrer com esforços de grandes empresas de tecnologia (para manter seu domínio ou monopólio) ou por meio da colaboração e descentralização total da economia.

O blockchain, nesse aspecto, fornece a infraestrutura (e a confiabilidade) para transações financeiras e integrações – não à toa, o mundo das finanças descentralizadas está crescendo exponencialmente.

No meio de mais uma briga estratégica entre China e Ocidente, há o consenso de que a criação do metaverso requer que alguns fatores evoluam, principalmente em termos de infraestrutura de rede (5G, 6G), de fornecimento de energia e capacidade de processamento de dados. Olhar de que forma todos esses cenários se desenvolvem não é somente acompanhar para onde caminha a próxima evolução digital. É se posicionar na batalha da economia global do futuro.

 

Guga Stocco é cofundador da Squadra Ventures e participa dos conselhos de administração do Banco Original e Totvs. Possui mais de 20 anos de experiência no desenvolvimento de empresas digitais e transformação de negócios.

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