Opinião

Mau uso do jornalismo degrada vítimas, mas também quem agride

Postura de parte da mídia enxovalha a imagem da advocacia

30 de setembro de 2024

jornal, imprensa, mídia

Por Pedro Estevam Alves Pinto Serrano*

Já tivemos a oportunidade de veicular, em publicações científicas diversas, análises jurídicas relativas ao regime constitucional da atividade jornalística, bem como a sua relevância para o sistema de proteção de direitos e para a democracia.

A imprensa é, inegavelmente, uma importante instância de formação da opinião pública e de irradiação do pensamento crítico e se fundamenta, legitimamente, nos direitos constitucionais de liberdade de expressão e de manifestação do pensamento.

É nobre o papel da imprensa — de informar. Assim como o do advogado, a quem cabe o direito de defesa. E não menos importante, a incumbência de julgar, que é do Judiciário. À imprensa não cabe, no entanto, substituir-se ao papel do juiz ou do Ministério Público. Ainda mais sem fundamentos que deem sustentação a achincalhes contra a honra alheia.

Rememore-se, ademais, que nossa Constituição da República, ao dispor sobre a comunicação social, assegurou a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação sob qualquer forma, processo ou veículo.

Ocorre que, sem qualquer interesse público que a lastreie e, ainda, valendo-se do sigilo da fonte, constitucionalmente assegurado, determinados veículos estão proliferando notícias — e desinformações! — sobre questões de cunho estritamente interna corporis de escritórios de advocacia.

Tem sido comum a prática de desmoralizar advogados quando o intento é atingir seus clientes — algo que foi rotina no esquema “lava jato”. Uma prática que parece continuar na ordem-do-dia, como se viu recentemente em incursões contra renomados escritórios como o Bermudes Advogados e Warde Advogados, os quais, notoriamente, exercem uma advocacia privada com profissionalismo, rigor técnico e compromisso ético.

Mais especificamente, sem qualquer interesse público justificador de veiculação jornalística, nos causam estranheza textos que mais se assemelham ao sensacionalismo dos tabloides de fofoca, até então restrito a celebridades. Essa degradação não interessa a ninguém. Muito menos à imprensa.

Servindo, muitas vezes, a interesses escusos, determinados jornalistas valem-se de declarações off-the-record para tentar descredibilizar a advocacia privada, a qual é essencial à administração da Justiça e à democracia. O modus operandi torna-se ainda mais grave na medida em que esse pretenso jornalismo ocorre sem a garantia de espaço ao contraditório, quase sempre diferido e exercido por provocação.

Ataques desonram a advocacia

Em outras palavras, o comportamento antiético do advogado que serve de fonte sobre temáticas que deveriam se circunscrever às relações privadas é um artifício que deveria ser rechaçado. Entretanto, o jornalismo igualmente antiético — e, nessa medida, coautor na empreitada — incorre no desserviço de potencializar meras estratégias de competição e destruição.

Não existe democracia como mero regime político. Não há um Estado democrático numa sociedade que não seja, igualmente, democrática. É por isso que existem instituições da sociedade civil que são próprias da democracia, como a advocacia privada e a imprensa.

Uma imprensa livre e uma advocacia respeitada são essenciais para a tutela de valores essenciais, bem como para a defesa dos direitos fundamentais. Consequentemente, preservar referidas instituições é essencial para a tutela da própria democracia.

Textos jornalísticos baseados em intrigas de concorrentes e com crítica vazia sobre comportamentos de advogados na atuação contenciosa, bem como na relação legítima de litígio com outros sujeitos processuais deveriam, quando muito, ser objeto dos mecanismos recursais e de impugnação previstos na processualística.

Destaque-se aqui que, nos termos do artigo 34, inciso XXV, do Estatuto da Advocacia, constitui infração disciplinar manter conduta incompatível com a advocacia, ao passo que, nos termos do artigo 27 do Código de Ética e Disciplina da OAB, o advogado deve observar, nas suas relações com os colegas de profissão, o dever de urbanidade, tratando a todos com respeito e consideração.

A postura de parte da mídia está enxovalhando a imagem da advocacia, isso com contribuição covarde e vil de advogados que servem de fonte oculta para veiculações dessa natureza. Adversários no âmbito do processo devem, um em relação ao outro, atuar por meio dos instrumentos processuais adequados e jamais por meio de ataques midiáticos que desonram a imagem da advocacia. A comunidade jurídica deve rejeitar, com veemência, incursões dessa natureza, sob pena de irreversível deterioração da profissão, do direito e do jornalismo como um todo.

*Pedro Estevam Alves Pinto Serrano é sócio do Warde Advogados, bacharel, mestre e doutor em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) com pós-doutoramento em Teoria Geral do Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e em Direito Público pela Université Paris Nanterre, professor de Direito Constitucional e de Teoria do Direito na graduação, no mestrado e no doutorado da Faculdade de Direito da PUC-SP.

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