Por Nelson Wilians* e Carolina Bassetti **
Artigo publicado originalmente na Folha
O que Michael Jackson, Pablo Picasso, Maradona e George Washington deixaram em comum, além de fama e fortuna?
A interrupção abrupta e prematura da vida da cantora Marília Mendonça nos colocou novamente diante da fragilidade humana.
Jovem, cheia de talento e de atitude, uma mulher que deu voz a outras mulheres, Marília deixa aos 26 anos não somente uma legião de fãs, mas o filho Léo, de 1 ano e 11 meses.
Não é fácil perder um ente querido, ainda mais de uma forma totalmente inesperada e trágica. Agora, a família de Marília, além de ter que lidar com a ausência da cantora e a imensurável dor da perda, precisa ainda encarar as burocracias jurídicas, que envolvem tanto a sucessão dos bens deixados pela cantora, quanto o futuro do pequeno Léo.
Sem entrar em detalhes no caso, de foro familiar, nos limitamos aqui a considerar algumas questões jurídicas em tese como referência a outros casos.
Ainda não se sabe se Marília deixou testamento ou não. Apesar de jovem, a cantora conquistou uma expressiva fortuna que será objeto de inventário. A lei determina o prazo de 60 dias a contar da data da abertura da sucessão para que os herdeiros deem início ao processo de inventário, em que serão pagos os impostos devidos e realizada a partilha dos bens entre os herdeiros.
No caso da existência de testamento, o que está sendo considerado pouco provável, Marília podia ter disposto de até 50% da totalidade de seu patrimônio a quem bem entendesse. Contudo, caso não haja testamento, seu filho Léo, na qualidade de herdeiro necessário, herdará 100% de seu patrimônio. Léo, portanto, diante do que determina a lei e a ordem de sucessão hereditária, será o único herdeiro de Marília.
A grande problemática advém do fato de Léo nem ter 2 anos completos ainda, e, muito provavelmente, ser o titular de toda a herança deixada pela cantora. Contudo, como já noticiado pela própria avó materna, Ruth Dias, a guarda do filho de Marília será compartilhada entre ela e o genitor da criança, Murilo Huff. Ambos serão os responsáveis pela criação do menor, pois, mediante a modalidade de guarda escolhida, deverão compartilhar as obrigações e as responsabilidades para o melhor interesse e desenvolvimento do pequeno Léo.
Assim, o filho de Marília, mesmo sendo herdeiro, não poderá exercer a administração do patrimônio herdado até que atinja a maioridade civil ou adquira a plena capacidade civil. Enquanto isso, os bens deixados por Marília ficarão sob os cuidados dos administradores e tutores da criança: a avó materna e o pai Murilo Huff.
A lei prevê a obrigação dos tutores em prestar contas à Justiça quanto à administração dos bens que são de titularidade do menor, pois deter a administração dos bens não significa necessariamente o acesso irrestrito à herança ou permitir que os administradores possam gerir o patrimônio da forma que quiserem. A avó materna e o pai do menor terão que demonstrar que o dinheiro deixado por Marília será usado para custear a educação e as demais necessidades básicas do pequeno Léo, uma vez que a Justiça sempre visa salvaguardar os interesses da criança.
Retornando à pergunta acima, sem um bom planejamento sucessório, Michael Jackson, Pablo Picasso, Maradona e George Washington deixaram a seus familiares uma tormentosa disputa pela herança.
Fica a dica.
*Nelson Wilians é empreendedor e advogado
**Carolina Bassetti é sócia e responsável pelo núcleo de direito de família e sucessões do Nelson Wilians Advogados
Foto: Emerson Lima