Por João Pedro Zorzi*
O Marco Temporal das Terras Indígenas é um conceito jurídico e político que estabelece um critério específico para a demarcação de terras indígenas no Brasil. Segundo essa tese, os povos indígenas só teriam direito à demarcação de terras que estivessem sob sua posse física ou em disputa judicial na data da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988. Esse entendimento tem gerado intensos debates e polêmicas, principalmente em razão de suas implicações para os direitos dos povos originários.
O argumento central do Marco Temporal é que ele traria segurança jurídica ao limitar as reivindicações territoriais indígenas, evitando retroatividade em relação a ocupações anteriores. No entanto, críticos apontam que essa tese ignora o contexto histórico de expulsões forçadas, deslocamentos e violências sofridas por muitas comunidades indígenas ao longo dos séculos.
Do ponto de vista jurídico, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem sido protagonista nesse debate, com casos emblemáticos como o julgamento da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em 2009, que aplicou o critério do Marco Temporal, mas de forma não vinculante para outros processos.
Em termos práticos, isso quer dizer que, embora o STF tenha utilizado o Marco Temporal naquele caso, os tribunais não são obrigados a adotar esse mesmo entendimento em outras situações semelhantes. Essa decisão funciona mais como um precedente informativo ou uma referência interpretativa, mas não como uma regra que todos os juízes e tribunais devem seguir obrigatoriamente.
Os possíveis desdobramentos de uma decisão favorável ao Marco Temporal incluem a restrição das terras que podem ser demarcadas, prejudicando comunidades indígenas que foram expulsas de seus territórios antes de 1988. Isso poderia afetar a proteção ambiental, uma vez que muitas terras indígenas funcionam como barreiras naturais contra o desmatamento e exploração predatória.
Por outro lado, a rejeição do Marco Temporal pelo STF pode fortalecer os direitos originários e abrir precedentes para novas demarcações de terras indígenas, reconhecendo a complexidade histórica das violações de direitos. Tal decisão pode também gerar desafios políticos e econômicos, especialmente em áreas de grande interesse agrícola e de exploração de recursos naturais.
Assim, o tema do Marco Temporal das Terras Indígenas não apenas reflete disputas jurídicas, mas também questões fundamentais de justiça histórica, direitos humanos e sustentabilidade ambiental, exigindo um equilíbrio entre o reconhecimento dos direitos dos povos originários e a busca pelo desenvolvimento econômico do país.
*João Pedro Zorzi Octaviano é especialista em Direito Ambiental e Regulatório do escritório Renata Franco Sociedade de Advogados.
Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil