Opinião

Lições a serem aprendidas a partir da falência da FTX

Caso serve para refletirmos sobre a regulamentação das corretoras de criptoativos

28 de novembro de 2022

Por Yuri Nabeshima*

O PL 4.401/21, também conhecido como Marco dos Criptoativos, se encontra em pauta para votação na Câmara, em regime de urgência. A necessidade de discussão e deliberação imediata sobre o tema no Congresso Nacional tem sido objeto de preocupação para o mercado ao longo deste último ano. Porém, ganhou ainda maior relevância após o recente colapso da corretora FTX, que demonstrou na prática as consequências catastróficas da ausência de regulamentação das chamadas exchanges.

O pedido de falência protocolado pela plataforma de criptomoedas FTX nos Estados Unidos tem causado medo e insegurança em relação ao mercado cripto. A quebra repentina da segunda maior corretora de criptoativos no mundo pegou muitos investidores de surpresa, desencadeando uma corrida de saques, que levou à crise de liquidez na exchange. Além disso, a desconfiança gerada pelo fatídico episódio tem afetado outras corretoras do setor em um “efeito dominó”, reforçando os ataques preconceituosos contra o uso da tecnologia blockchain e a errônea equiparação automática dos criptoativos a golpes e pirâmides financeiras.

É importante esclarecer que o incidente envolvendo a FTX não ocorreu por problemas de confiança na segurança da tecnologia blockchain, mas sim pela desastrosa gestão financeira da empresa, bem como pela falta de observância de boas práticas de governança corporativa, segurança e transparência. A ausência de um forte arcabouço regulatório setorial certamente contribuiu para tanto, na medida em que não existem diretrizes claras e objetivas quanto à adoção de rigorosas políticas de compliance, formas e regras de fiscalização e sanções aplicáveis em caso de não cumprimento.

Quando tratamos de regulamentação dos criptoativos, destacamos duas questões fundamentais a serem endereçadas, quais sejam a segregação patrimonial e a exigência de representação legal no país para responsabilização da exchange. São esses, aliás, os pontos mais controversos quando da discussão do projeto de lei sobre criptoativos.

De um lado, há quem entenda que o funcionamento de exchanges deve ser condicionado à observância dessas duas condições para proteger o investidor, tal como o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Ele defende como salutar a adoção de tais medidas como forma de assegurar que o capital dos investidores não seja confundido com o patrimônio da plataforma, diminuindo o risco de golpes envolvendo pirâmides financeiras e fraudes em geral.

Já outra ala prega a autonomia das partes, interferência mínima do Estado e a livre concorrência, como o relator do PL 4.401/21, Expedito Netto, que alega que a segregação patrimonial impediria a utilização do capital para outros fins, como concessão de empréstimos, que é uma prática comum em instituições financeiras, e que, em certa medida, poderia restringir a livre iniciativa e livre concorrência por parte das plataformas, sobretudo a das exchanges sediadas no exterior. Esse é o cenário do atual impasse com o qual nos deparamos no Congresso Nacional, com o Senado defendendo a inserção desses dispositivos no PL 4.401/21, e a Câmara os retirando do texto final para votação.

Sobre essas questões, o caso da FTX nos ensina que a liquidez não pode ser barganhada, ou seja, a corretora precisa manter uma boa reserva em caixa para honrar com seus compromissos, idealmente estipulando uma política de segregação patrimonial. Ainda, restou evidente que, com a quebra da exchange, a ausência de um representante legal no país dificulta imensamente a possibilidade de demandar judicialmente a empresa para reclamar os créditos que lhe são devidos – centenas de brasileiros foram prejudicados com a falência protocolada nos Estados Unidos pela corretora sediada em Bahamas, o que provavelmente inviabilizará a recuperação dos seus ativos pelos seus então detentores.

Assim, apesar do significativo impacto no mercado cripto, a implosão da FTX serviu como rara oportunidade para refletirmos sobre os aspectos envolvidos na regulamentação das corretoras de criptoativos, a preocupação com insolvência das referidas plataformas e previsão de medidas protetivas do investidor (inclusive com respeito ao acesso à justiça) – e, felizmente, ainda antes da votação final do projeto de lei no Congresso. Que possamos aproveitar a experiência da FTX para o amadurecimento dos nossos debates, zelando por segurança jurídica e confiança no mercado cripto, rumo a um ecossistema mais transparente, seguro e íntegro.

* Yuri Nabeshima é mestre, especialista e graduada em Direito pela Universidade de São Paulo (FDUSP); head da área de inovação do VBD Advogados.

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