Por Walfrido Warde Jr.*
Artigo publicado originalmente na Folha
Já se vão sete anos desde a promulgação da Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013), mas ainda não encontramos uma solução adequada para empresas envolvidas em corrupção. A um descuido do legislador somou-se, no contexto da Operação Lava-Jato, uma boa dose de vingança, que deu causa a uma devastação empresarial sem precedentes, com graves consequências para a economia do país.
Muitas das medidas concebidas para melhorar esse cenário são prontamente demonizadas, sob a pecha de estorvarem o combate à corrupção. Não é o caso do acordo de cooperação celebrado entre a Controladoria-Geral da União (CGU), a Advocacia Geral da União (AGU) e o Tribunal de Contas da União (TCU), com a mediação do Supremo Tribunal Federal (STF).
A Lei Anticorrupção não distingue empresa de empresário. Imputa às empresas responsabilidade por atos que foram praticados por pessoas, invariavelmente por controladores abusivos e por administradores faltosos.
Essa técnica, importada dos Estados Unidos, pretende alinhar a empresa aos interesses do Estado, para que crie estruturas e adote condutas capazes de detectar atos lesivos aos cofres públicos. Mas é uma técnica que pressupõe leniência. Ou seja, que deve permitir que as empresas continuem a existir, tão logo colaborem para detectar e denunciar ilícitos, quando não forem capazes de impedi-los.
A nossa legislação não cuidou ao regular o acordo de leniência, de resolver um previsível problema de múltiplas e concorrentes competências estatais.
A Lei Anticorrupção atribui à CGU, no âmbito federal, a competência para celebrar os acordos de leniência, ao passo que o Ministério Público é o titular da ação penal e um dos autores da ação de improbidade. Está aí a confusão. Uma empresa que celebre leniência com a CGU pode continuar a ser processada pelo Ministério Público e mesmo pela AGU.
Por isso, muitas empresas optam, a despeito do que diz a lei, por celebrar leniência com o Ministério Público. Esses acordos não são reconhecidos pela CGU, que continua a processá-las administrativamente e a declarar a sua inidoneidade.
Em alguns casos, ainda que Ministério Público, AGU e CGU encontrem um denominador comum, o TCU exige ajustes, sobretudo no valor das indenizações e da multa, de modo a arrastar a conclusão do acordo de leniência. A situação piora nos casos em que, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e o Banco Central têm competência alternativa ou cumulativa para o acordo.
A dúvida e a demora impedem que as empresas virem a página. Muitas delas morreram e com elas se perderam milhões de empregos, o conteúdo nacional, a arrecadação de impostos e o consumo que moviam a economia.
Não por outro motivo, tenho, há anos, sugerido a criação de um “balcão único”, com a participação coordenada de todos esses entes. Essa é, todavia, uma solução que, em meio à competição por protagonismo, depende de lei.
O acordo de cooperação mediado com notável empenho do presidente do Supremo, Dias Toffoli, não criou o “balcão único”. Apenas racionalizou a atuação de AGU, CGU e TCU, em especial o fluxo de informação entre esses órgãos.
É claro que boa parte da disputa institucional se dava porque, quando uma empresa decidia cooperar, todos queriam conhecer, em primeiro lugar, as informações e as provas fornecidas. Disputavam também sobre o método de cálculo de indenização e multa e sobre o papel dos agentes públicos no curso da negociação do acordo de leniência.
A cooperação apaziguou essas disputas e não deixou de fora o Ministério Público, como se anunciou. As competências constitucionais dos procuradores estão preservadas, como não poderia deixar de ser, assim como a de todos os órgãos que citei neste artigo.
Cresce, contudo, a certeza de que o desleixo legislativo e a punição desmedida de empresas contribuíram definitivamente para a crise econômica por que passamos. Enquanto isso, seus “donos” se encontram livres e ricos. A desinformação não irá esmaecer as responsabilidades.
Walfrido Jorge Warde Jr. é advogado, presidente do Instituto para a Reforma das Relações entre Estado e Empresas (IREE) e sócio-fundador do Warde Advogados