Por Almino Afonso Fernandes*
Artigo publicado originalmente na ConJur
O Supremo Tribunal Federal, ao decidir pela legalidade e a constitucionalidade da instauração do denominado “inquérito das fake news” (Inquérito 4.871), agiu como “guardião da Constituição” e dentro dos limites de sua competência. Os ministros ao darem interpretação conforme ao artigo 43 do Regimento Interno da Corte (RISTF) estabeleceram um marco histórico e civilizatório contra os nefastos e odiosos ataques cibernéticos que há tempos tomaram conta das nossas redes sociais e da internet, propagando e reverberando notícias falsas massivamente.
No mundo moderno e civilizado, alicerçado no Estado de democrático de Direito, não há espaço, nem pode ter, para prática de condutas como aquelas que são objeto das investigações realizadas no bojo do inquérito das fake News. Afinal, fake news são frutos de atitudes levianas e criminosas urdidas, orquestradas, disseminadas e, o que é pior, financiadas com o firme propósito de difamar, injuriar, caluniar e, sobretudo, intimidar e coagir pessoas e instituições de Estado, o que é lamentável.
Aliás, o consagrado direito à liberdade de expressão não pode, nem de longe, servir de pressuposto para essas malsinadas atitudes, tampouco sobrepor-se ao direito constitucional à reputação de quem quer que seja, como também não pode justificar a apologia ao ódio e a incitação à desobediência civil.
Assim, o Supremo laborou acertadamente ao permitir que a partir deste inquérito das fake news possa vir à luz não só a relevância atual do tema, mas também permitir o estabelecimento de limites e responsabilidades àqueles que insistem em utilizar-se de ferramentas tecnológicas extremamente importantes à humanidade, como as redes sociais e a internet, para, acobertados pelo anonimato do mundo digital, praticar crimes.
Dessa forma, esta decisão representa um grande avanço civilizatório aos brasileiros, uma vez que estabelece novos parâmetros para o enfrentamento dessa questão tão deletéria a todos.
Por outro lado, dizer que a concepção do indigitado inquérito se deu de forma abusiva e que era incompatível com o ordenamento legal e constitucional não parece o mais adequado. Isso até porque sua instauração está em perfeita consonância com as disposições expressas no RISTF, recepcionado pela Constituição da República.
Além disso, é importante ressaltar que o sistema processual penal adotado pelo Código de Processo Penal brasileiro não é daqueles em que se impõe monopólio à deflagração do procedimento inquisitorial, pois admite que a polícia judiciária também o faça e permite que em situações excepcionais, conforme pacificado pela Suprema Corte, possa, igualmente, ser iniciado pelo próprio Poder Judiciário.
A rigor, a Constituição da República, na realidade, reservou ao Ministério Público tão somete o monopólio acusatório para instauração da ação penal pública, o que, evidentemente, não se pode confundir com a titularidade exclusividade para a abertura da fase investigatória.
Além disso, no caso, a própria Procuradoria-Geral da República opinou acerca da necessidade de o Supremo Tribunal Federal proceder a interpretação conforme a Constituição do artigo 43 do RISTF, mesmo porque, na espécie do inquérito das fake news, o Órgão Ministerial teve pleno acesso às investigações, como também e, de igual modo, os advogados dos investigados obtiveram as devidas informações e cópia dos autos, tudo em prestígio à Súmula Vinculante nº 14 do STF.
Portanto, em última análise, é fundamental que, a partir deste memorável precedente inaugurado pelo Supremo, a divulgação de notícias falsas nas redes sociais seja combatida com veemência, considerando as consequências nefastas que produzem a prática criminosa empreendida por poucos contra as pessoas, as instituições e todos os setores da sociedade, como a política, a segurança e a saúde.
Almino Afonso Fernandes é advogado constitucionalista e sócio do escritório Almino Afonso & Lisboa Advogados Associados.