Por André Menescal*
Artigo publicado originalmente pelo Estúdio Folha
Em tempos de comoção política, o poder do Judiciário ganha um apelo extraordinário. Dele precisam sair soluções inéditas, interpretações arrojadas e vozes de paz. Tamanha responsabilidade não foi talhada à caneta de um só homem ou mulher.
O Supremo Tribunal Federal vive hoje uma questão que precisa ser debatida: a das vozes singulares que se pretendem mais fortes do que as coletivas — uma tendência arriscada por seus efeitos diretos, casos julgados pelo próprio Supremo, e indiretos, estabelecidos por cada juiz brasileiro, quando se arvora da palavra final em matérias de educação, saúde pública, liberdades individuais.
Em “I Dissent”, obra sobre a história da Suprema Corte americana, o autor Mark Tushnet, professor de Harvard, analisa os votos divergentes proferidos por juízes da Suprema Corte durante julgamentos que marcaram a evolução dos Estados Unidos como nação.
Temas como a igualdade racial (Dred Scott v. Sandford), a constitucionalidade de leis regulando condições de trabalho (Lochner v. New York) e a liberdade de decisão quanto ao uso de métodos contraceptivos (Griswold v. Connecticut) são ali objeto de reflexão histórica e nos ajudam a entender o tamanho da influência que a jurisprudência de um Tribunal Constitucional exerce sobre a sociedade.
Além de analisar os fundamentos que permearam os votos dissidentes dos mais famosos casos já julgados pela Suprema Corte, Tushnet avalia quais teriam sido os impactos para a sociedade se a divergência aberta houvesse liderado uma maioria.
Impossível não lembrar que, no Brasil, este não é um exercício hipotético, guardado às obras como a de Tushnet. A definição de temas relevantes, por vontade individual de algum ministro, se dá a cada dia, ferindo aos poucos o potencial existente, para a sociedade brasileira, de levar tais provocações à deliberação do colegiado.
A cada decisão individual com impacto desproporcional na vida dos brasileiros, entorta-se um pouco o leme da História, que passa a ter seus capítulos ilustrados não pelo que uma maioria discutiu e decidiu, mas pelo que um cidadão, investido na condição de ministro, quis deixar à memória de nossas gerações futuras.
Talvez a publicidade das atividades do Supremo, à qual o brasileiro médio já se habituou, seja nessa trama uma aliada infiel: ao tempo em que trouxe visibilidade de como agem os mais poderosos juízes do país, transformou paulatinamente o tribunal em palco, fazendo de algumas decisões não mais a aplicação do Direito aos fatos, mas a submissão destes fatos àquilo que as circunstâncias exigirem.
Interessa à democracia brasileira que fiquem reservadas à vida acadêmica as opiniões individuais que não tenham sofrido o crivo dos pares. Posicionamentos isolados podem ser importantes como exercício retórico, mas raramente representam a melhor aplicação do Direito ou da Justiça. O mundo real necessita de decisões firmes, mas não sem uma boa dose de consciência e responsabilidade.
*André Menescal é especialista em Direito Corporativo e sócio do Nelson Wilians Advogados