Por Verônica Carvalho Rahal Brown*
A investigação defensiva é um serviço que pode vir a ter um alto custo, especialmente quando demanda a utilização de mão de obra especializada, ferramentas tecnológicas e grande volume de material a ser analisado. Assim, é de se questionar qual seria o interesse na utilização desta técnica. Se no Brasil o acusado não tem a obrigação de provar a sua inocência, faz sentido arcar com os custos de uma investigação defensiva? A resposta pode não ser intuitiva.
Como bem ressaltado pelo renomado jurista Gustavo Henrique Badaró, “não se pode confundir o ônus da prova com o interesse em provar determinado fato”[1]. Diante da complexidade e do dinamismo do processo penal brasileiro atual, não há como negar que existe o interesse na prova por parte da defesa. Neste caso, a técnica da investigação defensiva é, sem dúvida, um investimento com uma excelente perspectiva de retorno.
No último dia 27 de abril, foi publicada uma decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça. A Corte mais uma vez afirmou a legitimidade da técnica da investigação defensiva, registrando que se trata de um direito assegurado em qualquer procedimento ou fase da persecução penal em decorrência da cláusula constitucional da ampla defesa. O ministro Sérgio Kukina, relator do caso que estava sendo analisado, ressaltou em seu voto que a ampla defesa, neste caso, se traduz na garantia da paridade de armas em relação aos interesses probatórios da acusação e defesa, que têm como objetivo comum demonstrar a veracidade de suas alegações[2].
A investigação defensiva ganhou força a partir de 2018, com a edição do Provimento nº 188/2018 do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil[3], que trouxe as balizas orientadoras desta atividade para a advocacia. Além de conceituá-la como legítima técnica de obtenção de provas, que poderá ser utilizada pelo advogado na fase preliminar, durante o processo ou após o seu encerramento, o provimento estabelece um rol exemplificativo de situações em que é cabível o emprego da investigação defensiva pelo advogado, deixando claro que essa ferramenta se presta a assegurar os direitos individuais em procedimentos de natureza criminal tanto do investigado ou acusado, quanto da vítima e do colaborador.
A norma promulgada pela OAB assegura, ainda, que o advogado poderá promover todas as diligências que considerar necessárias, valendo-se, inclusive, de colaboradores externos, como, por exemplo, detetives e peritos particulares, desde que sejam respeitados os direitos e garantias individuais das pessoas envolvidas e a necessidade de tutela jurisdicional para a realização de determinadas medidas. As possibilidades trazidas pela investigação defensiva são, portanto, bastante amplas, sendo facultada ao advogado a realização de entrevistas, o levantamento de informações em órgãos públicos ou privados, a solicitação de perícias, entre outras providências.
Logo, um primeiro ponto a ser levado em consideração quando se avalia a possibilidade de realizar uma investigação defensiva é a realidade atual da Justiça criminal brasileira, marcada por megaoperações e megaprocessos e por uma atuação cada vez mais articulada e dinâmica por parte da Polícia e do Ministério Público[4], que contam, muitas vezes, com o auxílio de outros entes públicos.
Com o avanço da tecnologia e, principalmente, com a evolução da internet, quase todas as ferramentas do nosso dia a dia (celulares, computadores, veículos, relógios, etc.) são informatizadas e virtualizadas e carregam nossos dados pessoais e inúmeras outras informações sensíveis. Essa realidade representa uma facilidade e uma disponibilidade cada vez maiores para a obtenção de dados por parte dos órgãos públicos condutores de investigações e acusadores, que poderão se utilizar de medidas cautelares de quebra de sigilo, interceptações, buscas e apreensões, perícias etc., para obter, cruzar e analisar inúmeras informações relevantes para as apurações criminais.
Além disso, é importante pontuar que, embora a lei atribua um caráter meramente informativo aos dados obtidos na fase preliminar de investigação, na qual não existe uma exigência legal de participação da defesa (com a consequente possibilidade de atuar na produção da prova), o que se vê na prática é que estes elementos acabam sendo a principal fonte para embasar o deferimento de medidas cautelares contra o investigado e, pior, o posterior recebimento de uma denúncia e até condenação.
Ou seja, o poder de influência da fase preliminar numa futura ação penal é enorme, o que só intensifica a disparidade intrínseca entre defesa e acusação. Neste cenário, a atuação tradicionalmente reativa da advocacia criminal, que, muitas vezes, surge somente após a existência de uma acusação formal e foca suas energias em identificar retroativamente as possíveis falhas na estratégia acusatória, dificilmente será capaz de equilibrar a balança, até pelos prazos exíguos previstos na lei para o exercício da defesa do acusado na ação penal.
O que se vê hoje em dia é que casos de sucesso na defesa criminal estão intimamente ligados com uma atuação proativa e voltada para discussão dos fatos e das provas. A investigação defensiva surge, assim, como um meio efetivo para viabilizar essa atuação e suprir o desequilíbrio em benefício da defesa e, consequentemente, do cliente. Nas palavras da ilustre jurista Vanessa Morais Kiss, defensora pública do Estado de São Paulo, “a atividade defensiva só terá aptidão para repercutir sobre a esfera decisória do magistrado se for possível exercê-la de forma efetiva desde os momentos mais precoces da persecução”[5].
Como visto, essa ferramenta permite que o advogado, desde a etapa preliminar e com a utilização do tempo a seu favor, busque meios de produção de provas que poderão servir de base para confrontar os dados reunidos na investigação pública e, igualmente, nortear as decisões futuras. É sempre bom lembrar que, com a atuação antecipada da equipe de defesa, aquele mesmo conjunto probatório reunido na etapa preliminar para amparar o oferecimento de denúncia pelo Ministério Público poderá servir para fundamentar um arquivamento da investigação ou, ainda, a rejeição da denúncia.
Além das possibilidades acima mencionadas, a investigação defensiva também é uma ferramenta que se presta a auxiliar o advogado no conhecimento dos fatos e provas existentes em benefício ou em prejuízo do seu cliente. Isso, por sua vez, faz com que a tomada de decisões estratégicas seja embasada em informações que facilitarão, por exemplo, a análise das vantagens dos possíveis institutos despenalizadores previstos na lei[6] ou até mesmo de eventual opção por um acordo de não persecução penal ou de colaboração premiada.
De mais a mais, mesmo nos casos em que não for possível evitar o início de uma ação penal, uma investigação defensiva possibilitará a visualização antecipada das provas e teses acusatórias e trará para a defesa aquilo que lhe é mais caro — a disponibilidade de tempo para fazer frente ao arsenal acusatório. Neste caso, os elementos colhidos pela defesa poderão ser úteis seja nas teses de negativa de ocorrência do crime e da autoria, seja nas teses voltadas ao enquadramento legal dos fatos, causas excludentes de crime, atenuantes etc.
É importante, por fim, levar em consideração que, conforme previsto no Provimento nº. 188/2018 do CFOAB, o advogado e os demais profissionais que atuarem na investigação não estão obrigados a informar às autoridades os fatos investigados. A publicização da investigação defensiva e de seus resultados poderá ocorrer a qualquer momento, se houver interesse nesse sentido e desde que haja autorização do cliente. Do ponto de vista da estratégia de atuação da equipe de defesa, este fator, que viabiliza a utilização do elemento surpresa, também se torna um atrativo.
Portanto, ainda que não exista uma resposta exata na definição da estratégia a ser seguida pelo advogado, fato é que a técnica da investigação defensiva, diante das suas inúmeras possibilidades, deve ser considerada. Se em alguns casos ela é responsável por, no mínimo, ampliar o leque de opções disponíveis para a defesa do cliente, em outros, como visto, essa ferramenta será protagonista e impactará de forma definitiva no resultado. Nos dias de hoje, confiar a defesa criminal a uma estratégia de mera reação e que se baseie prioritariamente na regra legal do ônus da prova é o equivalente a, como diz uma conhecida expressão americana, trazer uma faca para um tiroteio.
[1] Processo penal, 4ª ed., São Paulo: RT, 2016, p. 433.
[2] Decisão proferida em mandado de segurança impetrado após o Ministro da Justiça negar à defesa acesso a informações e documentos sobre eventual cooperação jurídica entre o Brasil e os Estados Unidos. O pedido havia sido feito ao Ministério no contexto de investigação defensiva desenvolvida para a constituição de acervo probatório (STJ, MS 26.627/DF, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/03/2022, DJe 27/04/2022, disponível aqui.
[3] Disponível em https://www.oab.org.br/leisnormas/legislacao/provimentos/188-2018.
[4] Polícia Civil, Polícia Federal, Promotorias de Justiça e Procuradorias da República são os órgãos que atuam na fase preliminar de investigação. Além disso, as Promotorias e Procuradorias atuam no papel acusatório nas ações penais.
[5] A investigação defensiva no Direito Processual Penal brasileiro, Dissertação de Mestrado – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo: [s.n.], 2021, p. 95.
[6] A Lei nº 9.099/95 traz a possibilidade de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade para alguns crimes (transação penal) e suspensão do processo para outros.
Verônica Carvalho Rahal Brown é especialista em Direito Penal do Pimentel e Fonti Advogados.