Opinião

Inserção do voto plural na legislação societária vai estruturar negócios no Brasil

Mudança traz uma gama de novas possibilidades e estratégias de controle nas companhias

27 de setembro de 2021

Por Suzana C. Cencin Castelnau e Tomas Arruda*

Artigo publicado originalmente no Estadão

Recentemente foi aprovada Lei nº 14.195/2021, originalmente publicada como Medida Provisória nº 1.040. É fundamental tratar do voto plural, que não havia sido inicialmente previsto pela MP e foi inserido na redação final da lei. Por conta disso, houve diversas alterações na lei das sociedades por ações, especialmente no artigo 110 e inclusão do artigo 110-A.

A criação de classes distintas de ações ordinárias já era autorizada pela lei das sociedades por ações, mas a novidade é que a partir de agora as diferentes classes poderão ter direito a até 10 votos por ação.

Trata-se de mudança que traz uma gama de novas possibilidades e estratégias de controle nas companhias, uma vez que poderão existir ações ordinárias com maior poder de voto do que outras.

No entanto, é importante destacar alguns pontos que precisarão ser levados em conta no momento da utilização desse instrumento. Um deles diz respeito ao fato de que, quando a quantidade mínima de votos especificamente prevista em lei for baseada no percentual de ações ou do capital social, e não no percentual de votos, o direito de voto plural será desconsiderado na votação.

Além disso, as classes de ações ordinárias com voto plural poderão ser livremente criadas nas companhias fechadas, podendo existir nas companhias abertas somente se, na época da primeira oferta de títulos mobiliários em mercado regulado, tais classes de ação com voto plural já tiverem sido criadas. Ainda nesse sentido, deliberações futuras sobre o voto plural em companhias abertas somente poderão tratar da redução dos direitos ao voto plural. Nesse sentido, a lei também dispõe que a Comissão de Valores Mobiliários será responsável pela emissão de material de orientação para os agentes do mercado, para dar transparência sobre essa condição nas companhias abertas.

Desta forma, nos parece que a intenção do legislador foi de desincentivar a existência de ações com voto plural nas companhias abertas. Além disso, é vedada a criação de ações com voto plural em empresas públicas e sociedades de economia mista, bem como suas subsidiárias. Também não será permitida a criação de tais ações nas sociedades em comandita por ações.

A criação das ações ordinárias com voto plural dependerá da aprovação dos acionistas com os seguintes votos mínimos: aprovação de, no mínimo, ½ das ações com direito a voto, salvo se o estatuto estipular número de votos superior; aprovação de, no mínimo, ½ das ações preferenciais sem direito a voto ou com direito a voto restrito, reunidas em assembleia especial, salvo se o estatuto estipular número de votos superior e, nas deliberações sobre a criação de ações ordinárias com voto plural, os acionistas dissidentes terão direito de retirada da companhia, mediante reembolso, salvo se o estatuto social já previsse a possibilidade da criação de tais ações.

Além disso, será proibido o uso do voto plural nas seguintes deliberações: definição da remuneração dos administradores e transações com partes relacionadas que atendam aos critérios definidos pela CVM.

O direito ao voto plural terá vigência máxima de 7 anos, que poderá ser prorrogada por qualquer prazo, mediante aprovação contando com os mesmos números de votos descritos acima, sendo que os titulares das ações com voto plural não poderão participar da votação. Tal direito também poderá ter sua vigência vinculada a termo ou evento específico.

A prorrogação da vigência do voto plural dará aos acionistas dissidentes o direito de retirada mediante reembolso. Acerca deste ponto em específico, entendemos que a limitação da vigência inicial máxima em 7 anos acaba por desincentivar o uso do voto plural sobretudo em planejamento sucessório, uma vez que dificulta o seu uso como estratégia de organização e controle societário em longo prazo, necessitando de uma estratégia mais robusta para sua implementação.

A lei trouxe também a previsão de hipóteses em que ocorrerá a conversão automática das ações ordinárias com voto plural em ações ordinárias com voto singular. São elas: (i) quando houver transferência para terceiros, salvo quando o titular permanecer indiretamente titular das ações transferidas; quando o terceiro adquirente ou cessionário também for titular de ações da mesma classe; e quando a transferência ocorrer no regime de titularidade fiduciária, para fins de constituição do depósito centralizado ou quando houver contrato ou acordo de acionistas entre titulares de ações com direito ao voto plural e titulares de ações com voto singular, que disponha do exercício conjunto de voto; e (ii) quando houver contrato ou acordo de acionistas entre titulares de ações com direito ao voto plural e titulares de ações com voto singular, que disponha do exercício conjunto de voto.

A lei também proíbe a realização das seguintes operações: incorporação de sociedade, incorporação de ações, fusão de companhia aberta que não adote o voto plural e cujas ações ou valores mobiliários conversíveis em ações sejam negociados em mercados organizados, com outra companhia que adote o voto plural e cisão de companhia aberta que não adote o voto plural para constituição de nova companhia com adoção do voto plural, ou incorporação da parcela cindida em outra companhia que o adote.

Por fim, a lei determina que o estatuto social da Companhia que adotar o voto plural deverá obrigatoriamente estabelecer os seguintes pontos: o número de votos atribuídos a cada classe de ação ordinária, que não poderá ser superior a 10 votos por ação; o prazo de duração do voto plural para cada classe de ação ordinária, bem como o número de votos necessários para a sua prorrogação e as hipóteses que ensejarão o fim da vigência do voto plural condicionado a evento ou a termo, quando aplicável.

Portanto, entendemos que a inserção do voto plural na legislação societária, ainda que com alguns pontos controversos, trará grandes possibilidades para as estruturações de negócios no Brasil.

*Suzana C. Cencin Castelnau é sócia do escritório Donelli e Abreu Sodré Advogados – DSA

*Tomas Arruda é advogado do escritório Donelli e Abreu Sodré Advogados – DSA

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