Por Adib Abdouni*
É do texto constitucional o fundamento nuclear de que todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos, a fim de construir uma sociedade livre, justa e solidária, na exata diretriz de que todos são iguais perante a lei. Garantindo assim aos brasileiros o exercício da soberania popular, mediante a prática do sufrágio universal, pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, conforme artigo 1º, parágrafo único e artigo 14, ambos da Carta da República.
O Código Eleitoral (Lei 4737/65), de sua parte, garante, por meio de seu artigo 234, que ninguém poderá impedir ou embaraçar o exercício do sufrágio, impondo limitações à prisão no período eleitoral, a fim de assegurar o livre exercício do voto e o equilíbrio da disputa, evitando a interferência no resultado das eleições.
Quer dizer, nessa linha a protetiva, a legislação eleitoral (artigo 236) impede a prisão de eleitores a cinco dias das eleições e até quarenta e oito horas após o pleito, salvo em flagrante delito, por desrespeito a salvo-conduto ou em virtude de sentença criminal condenatória por crime inafiançável.
Igual proteção é estendida a candidatos a cargos eletivos nos quinze dias que antecedem as eleições, cuja regra também se aplica aos mesários e fiscais de partido, durante o exercício de suas funções, de acordo com o parágrafo 1º do artigo 236 do Código Eleitoral.
Considera-se em flagrante delito quem está cometendo a infração penal, acaba de cometê-la, é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração, ou quando é encontrado, logo após, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração, conforme dicção do artigo 302 do Código Penal.
De outro lado, os crimes inafiançáveis são aqueles que não admitem pagamento de fiança para soltura do preso e, consequente, liberdade provisória do indivíduo que o pratica.
A Constituição Federal, por intermédio de seu artigo 5º, incisos XLII, XLIII e XLIV, estabelece que são crimes inafiançáveis, insuscetíveis de graça ou anistia, os delitos de racismo, tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo, a ação de grupos armados contra a ordem constitucional e o Estado Democrático, bem como os crimes definidos como hediondos.
Os crimes hediondos são aqueles previstos na Lei 8.072/90, a exemplo do homicídio, quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, do homicídio qualificado, do a latrocínio, extorsão qualificada pela morte, da extorsão mediante sequestro e na forma qualificada, do estupro, da epidemia com resultado morte e da falsificação de medicamentos.
Outrossim, a par desse cenário de imunidade, cumpre anotar que garantia outorgada se faz em benefício de eleitor e não de qualquer pessoa.
De tal sorte, para dela dispor, é necessário que a pessoa esteja regularmente inscrita como tal e que não tenha o direito de votar suspenso, por qualquer motivo previsto na lei eleitoral.
Por isso, a legislação não se aplica àqueles que estão com o alistamento eleitoral cancelado, quer seja porque tenham deixado de votar por três eleições consecutivas, ou mesmo aqueles que tenham incorrido nos casos de perdas ou suspensão dos direitos políticos, como nas hipóteses do artigo 15 da Carta Magna, a exemplo da incapacidade civil absoluta ou da condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos.
Caso ocorra qualquer prisão nesse período, o preso deverá ser imediatamente conduzido à presença do juiz competente que, ao verificar a ilegalidade da detenção, a relaxará e promoverá a responsabilidade do coator.
Assim, esse mecanismo legal de imunidade busca garantir não só o equilíbrio da disputa eleitoral, mas, sobretudo, a prerrogativa do cidadão exercer a democracia, mediante o asseguramento do regular exercício do direito ao voto e da fiscalização da lisura do pleito, assim como, em relação ao candidato, afiançar as atividades de campanha, buscando prevenir que prisões sejam utilizadas como estratégia para prejudicar algum postulante a cargo eletivo por meio de constrangimento político.
Adib Abdouni é constitucionalista e criminalista