Opinião

Homens brancos de direita disputam em 37% das cidades

Hegemonias branca e masculina ainda prevalecem no sistema político

10 de novembro de 2020

Por Carmela Zigoni, Janaina Peres, Lara Laranja, Luciana Guedes e Camila Fraccaro

Artigo publicado originalmente no UOL

O sistema político permite acontecimentos pouco imaginados pela maioria das pessoas: nas eleições 2020, serão 2.053 municípios com apenas dois candidatos(as) a prefeito(a) para concorrer à prefeitura.

Nesse cenário, que será realidade em 36,87% dos municípios brasileiros, a polarização, enquanto disputa de apenas duas propostas políticas para a cidade, estaria posta na largada das eleições.

No entanto, a dinâmica partidária e as características estruturais da sociedade brasileira — de reprodução de privilégios e desigualdades— incidem para complexificar a noção de polarização.

Ressaltamos que a polarização política é um conceito complexo que guarda divergências entre analistas e cientistas políticos. Trata-se de um fenômeno que pode ser entendido pelo viés do debate democrático ou pela interdição do mesmo, a depender da intensidade com que ocorre.

cientista político Leonardo Avritzer (2019) afirma que a polarização é expressa pelo “(…) aumento da distância entre os diferentes polos políticos, já que extremos sempre existem e sua existência não parece ser o problema. O problema ocorre quando a distância entre direita e esquerda aumenta e a questão analítica é entender o significado dessa ampliação”.

Para o cientista político Armando Boito Junior (2020), no caso brasileiro recente, o sistema partidário que vigorou até 1990, pluripartidário e com polarização moderada entre PT e PSDB estaria em crise, dando lugar a “(…) uma nova polarização, agora entre a extrema direita neofascista e a centro esquerda capitaneada pelo PT”.

Já a antropóloga Rosana Pinheiro Machado, estudiosa das jornadas de junho de 2013 e da ascensão do bolsonarismo, aposta em uma “outra etapa da polarização no Brasil”, para além de esquerda e direita, entre homens brancos do patriarcado e mulheres negras e LGBT.

Estas análises se debruçam sobre a política nacional e não podem ser facilmente aplicadas para as dinâmicas eleitorais locais, onde a polarização —se existir— pode se dar por questões variadas.

Por exemplo, a instalação ou não de um projeto de mineração pode dividir uma cidade, trazendo interesses transnacionais ao território, mobilizando atores políticos externos ao município e alinhando a política local à política nacional.

Por outro lado, podem existir contextos onde as querelas são de natureza estritamente local, como a construção de uma praça ou um posto de saúde —não que sejam menos importantes, mas mobilizam menos capital político relacionado à política nacional.

O Brasil conta hoje com 33 partidos. Para fins de análise, adotamos a classificação elaborada pelo Congresso em Foco (2019), que divide os partidos em três grandes grupos do espectro político: direita, centro e esquerda.

  • Direita: DC; DEM; Novo; Patriota; PL; PMB; Podemos; Progressistas; PRTB; PSC; PSD; PSL; PTB; PTC e Republicanos;
  • Centro: Avante; MDB; PROS; PSDB e Solidariedade;
  • Esquerda: Cidadania; PCB; PCdoB; PCO; PDT; PMN; PSB; PSOL; PSTU; PT; PV; Rede e UP.

Destaca-se os municípios com duas candidaturas tem população inferior a 20 mil habitantes (90,19%), porém temos três municípios com mais de 100 mil habitantes com candidaturas duplas: Ourinhos-SP, Tailândia-PA e Sobral-CE.

Lembrando que o segundo turno só é possível em municípios com mais de 200 mil eleitores, os casos em tela podem sinalizar para tentativas de mudança no poder local, pois a disputa ocorre em uma só rodada de votação.

São 2.053 municípios brasileiros que irão enfrentar esse cenário dicotômico nas eleições para o Executivo municipal. Em 112 municípios, a disputa se dará somente entre candidatos de partidos de centro; em 488 a disputa será somente entre partidos de direita; e, em 60 municípios, somente entre partidos de esquerda.

Nos confrontos que envolvem dois espectros políticos diferentes, temos 666 municípios em que a disputa será entre centro e direita; 487, entre direita e esquerda; e 240, entre centro e esquerda.

Os dados coletados demonstram que o risco de polarização não é tão grande nas disputas com apenas dois candidatos: a polarização direita-esquerda, por exemplo, ocorre em apenas 23,7% dos casos e, em 32,2% dos registros, a disputa se dará dentro do mesmo espectro.

Por outro lado, o elevado número de candidatos homens e brancos concorrendo entre si revela um sistema político em que ainda prevalecem as hegemonias branca e masculina, reproduzindo, portanto, os privilégios do grupo social com maior concentração de poder e riqueza na sociedade brasileira

Das eleições com duas candidaturas, 1.581 disputas serão entre homens (77%), 443 serão entre candidaturas masculinas x candidaturas femininas (21,57%) e 29 serão entre candidaturas femininas (1,15%).

Nos casos onde a disputa é entre homens e mulheres, as mulheres estão mais concentradas no MDB, PP e PSD, somando 239 de direita, 122 de centro e 82 candidatas de esquerda; no caso da disputa entre as mulheres, há 33 de direita, 12 de centro e 13 de esquerda.

Em relação ao perfil racial, a hegemonia branca nas disputas é marcante: as disputas entre dois candidatos brancos representam 52% (1084), seguido de disputas entre brancos e pardos, 26,7%, e brancos e pretos somam 2%.

As candidaturas de raça/cor parda disputando entre si representam 14,08% (289). Se utilizarmos a categoria “negro” (pretos + pardos) disputando entre si o percentual é de 15,73% (323). Os brancos aparecem em seis das 15 combinações possíveis a partir das categorias raciais do IBGE (se contarmos o cruzamento com candidaturas sem informação).

Os dados evidenciam, sobretudo, a predominância de disputas entre candidatos brancos, mas também revelam que em 323 municípios (15,73%), o próximo governante será, necessariamente, preto ou pardo.

Sobre a polarização ideológica, observamos que o embate entre direita e esquerda não passará de 1/3 da totalidade de confrontos entre dois candidatos. Se considerarmos o tipo de polarização impressa no âmbito nacional pelo PSL em relação ao PT, temos apenas três municípios onde isso acontece: Nova Resende-MG (16.645 habitantes), Guiricema-MG (8.697 habitantes) e Quilombo-SC (10.255 habitantes).

Se considerarmos a correlação de forças implementada pelo chamado Centrão —que apoia o bolsonarismo como implementador de políticas neoliberais, a exemplo do Teto de Gastos—, a polarização entre PT, de um lado, e DEM/MDB/PSDB/PP/PL/PSD, de outro, ocorre em 166 casos.

Destaca-se, porém, o predomínio de disputas envolvendo partidos apenas de direita e de centro: em 1.266 casos (61,67%), os partidos de esquerda nem sequer participarão da disputa eleitoral: enquanto o próximo governante será obrigatoriamente de um partido de direita em 488 municípios, para a esquerda, essa garantia só existe em 60 municípios.

 

Carmela Zigoni é doutora em antropologia social e assessora política do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), parceiro da Campanha Quero Me Ver no Poder, da Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político, com apoio do Fundo Pulsante. Janaina Peres é doutora em desenvolvimento e políticas públicas. Lara Laranja e Luciana Guedes são doutorandas em desenvolvimento, tecnologias e políticas públicas, e Camila Fraccaro é cientista de dados. Todas integram o Coletivo CommonData.

 

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