Por Nelson Wilians*
Artigo publicado originalmente na Folha
Em meados de setembro do ano passado, repercutiu por aqui a morte da juíza da Suprema Corte dos Estados Unidos, Ruth Bader Ginsburg, aos 87 anos. Ela era a juíza mais antiga daquela corte.
A sua atuação na defesa da igualdade de gênero, das minorias e do meio ambiente foi destacada inclusive pelo presidente Luiz Fux, do STF.
Por trás da aparência frágil escondia-se um vulcão de ideias e dinamismo, mesmo Ginsburg sendo uma octogenária.
A juíza foi nomeada pelo ex-presidente democrata Bill Clinton em 1993, e se tornou a segunda mulher a integrar a Suprema Corte. Ficou lá por 28 anos, aonde chegou já com 60 anos.
Tal qual no Brasil, para que um juiz seja confirmado na Suprema Corte dos EUA, a nomeação presidencial precisa passar por aprovação do Senado. Porém, os nove juízes da Suprema Corte americana são nomeados de forma vitalícia, ou seja, ficam no cargo até o fim da vida.
Por aqui, os ministros se aposentam quando atingem 75 anos.
Nesse momento em que a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara deu aval à proposta que revoga a ‘PEC da Bengala’, vale uma reflexão, a despeito do oportunismo e das conveniências políticas.
Promulgada em 2015, a PEC da Bengala estabeleceu a aposentadoria compulsória de ministros de tribunais superiores e do Tribunal de Contas da União aos 75 anos. O texto aprovado na CCJ reduz a idade para 70 anos.
A diferença de apenas cinco anos não me parece relevante para pautar uma troca de magistrado que exerce uma função tão proeminente no Judiciário, que acumulou ao longo dos anos conhecimento, experiência e maturidade para analisar e decidir questões múltiplas e complexas que definem os rumos do país, do ponto de vista constitucional, influenciando inevitavelmente em seu desenvolvimento político, social, cultural e econômico; estou me referindo principalmente ao STF.
Ao contrário de um jogador de futebol, um juiz atinge seu pico de desempenho relativamente tarde na vida. Julgar é uma atividade de aprender fazendo, cuja eficiência aumenta à medida que aumenta a experiência judicial. Um juiz maduro é central para o conceito de um juiz sábio.
Com o aumento da longevidade da população, torna-se importante indagar se ajustes na idade de aposentadoria compulsória são justificados.
O legislador pode prever a aposentadoria ou a remoção do juiz por incompetência ou por conduta prejudicial à administração da Justiça. Porém, a aposentadoria compulsória pode ser um exemplo claro de discriminação contra um grupo de pessoas com base em estereótipos infundados que, cada vez mais, são refutados pela sociedade moderna.
Obviamente, um aumento na idade de aposentadoria obrigatória fará com que os juízes em exercício permaneçam ativos por mais tempo, reduzindo assim o número de vagas disponíveis para os mais jovens que aspiram uma vaga no STF.
Sob esse aspecto sou favorável que haja um arejamento. Mas, sobretudo, defendo um Judiciário representativo, independente, experiente e diverso. E não uma lei que trate injustamente todos os juízes que chegam aos 70 anos. Acredito que a justiça depende mais do que “o juiz comeu no café da manhã”, como bem expressou o magistrado americano Jerome Frank sobre a influência de coisas irrelevantes nas decisões de um juiz — como seu humor — do que o peso de sua idade.
*Nelson Wilians é empreendedor e advogado
Foto: Bruno Van Enck / Divulgação