Opinião

É o que temos para o momento

Apenas reformas estruturais poderão garantir sustentabilidade das finanças públicas

16 de novembro de 2021

Por Nelson Wilians*
Artigo publicado originalmente na Folha
A frase é de Lao Tsé, filósofo, alquimista e dramaturgo chinês: “Uma jornada de 1000 milhas deve começar com um único passo”. Parece óbvio, mas, por vezes, é tão difícil enxergar o óbvio quanto decifrar o núcleo de um buraco negro a bilhões de anos-luz.

Nesse período em que a pandemia basicamente definiu a cara da economia, o espaço fiscal se tornou mais limitado e o fardo da dívida ainda mais pesado, impondo ao governo a necessidade de melhorar a mobilização dos recursos.

E aí volta à cena um tema notabilizado no século 20: a desoneração.

Um levantamento recente da Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação e de Tecnologias Digitais (Brasscom) mostra que a desoneração da folha de pagamento dos 17 setores da economia que mais empregam rendeu R$ 2,54 bilhões a mais do que custou aos cofres públicos em 2020. O governo arrecadou R$ 12,95 bilhões com valores que vieram direta e indiretamente das vagas de trabalho mantidas com a medida.

A estratégia claramente estimulou a geração de emprego e renda, e rapidamente, tanto que o governo prorrogou a desoneração por mais dois anos. O resultado, porém, é assimétrico e exige uma reflexão das políticas fiscais e de despesas, uma vez que a nossa recuperação econômica não está bem encaminhada.

Não há dúvida de que a crise da Covid-19 causou uma deterioração significativa nas finanças públicas, com a redução de receitas fiscais, aumento do déficit orçamentário e da própria dívida pública.

Portanto, as políticas que estimulam o crescimento econômico são vitais. E um dos meios mais eficazes para se chegar a essa meta é o desenho do imposto sobre as empresas.

Essa discussão não deve ocorrer isoladamente das discussões sobre o nível e a qualidade dos gastos públicos. Mas precisa ser considerada seriamente.

Os incentivos mal concebidos podem restringir a capacidade de arrecadação sem gerar aumentos significativos de investimento, com efeitos limitados na produtividade e no emprego. É essencial, portanto, que sejam bem avaliados, transparentes e estejam alinhados com metas políticas mais amplas.

Mas não sobram dúvidas de que o apoio à produtividade é fundamental, ainda mais quando os altos níveis de informalidade estimulam a necessidade de o governo aumentar as taxas pagas pelo setor formal.

Neste particular, convém destacar que a reflexão aqui provocada se restringe essencialmente ao campo da política fiscal, na medida em que o arcabouço legal-constitucional da desoneração da folha de pagamentos sempre fora considerado absolutamente regular pelos Tribunais pátrios, mesmo quando questionado por contribuintes e pelo próprio Governo Federal quanto a alguns de seus contornos.

De volta a Lao Tsé, “uma formiga em movimento faz mais do que um boi dormindo”. É imprescindível um plano de metas que começa necessariamente na novela das grandes reformas estruturais para garantir a sustentabilidade das finanças públicas e apontar o país para o crescimento. A desoneração é uma intervenção pontual estratégica e, por si só, não é suficiente. Mas, diga-se, é o que temos para o momento.

*Nelson Wilians é empreendedor e advogado

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