Por Matheus Gonçalves Amorim*
Artigo publicado originalmente na ConJur
O Decreto nº 10.854/2021 regulamentou várias disposições relativas à legislação trabalhista. Há novidades na regulamentação relativa às empresas prestadoras de serviços a terceiros.
A intenção da regulamentação é trazer mais clareza à fiscalização do trabalho na apuração de eventuais fraudes na intermediação da mão de obra, em especial nas hipóteses de reconhecimento do vínculo de emprego e, ainda, da existência de grupo econômico entre empresas.
Sobre o primeiro ponto, nota-se que a premissa adotada foi a de conformar as disposições infralegais com a sistemática estabelecida pela Lei nº 13.429/2017 e pela decisão tomada no julgamento da ADPF nº 324 pelo Supremo Tribunal Federal, no sentido de que não há, em regra, vínculo de emprego entre os empregados da prestadora de serviços e a empresa contratante, a não ser que se comprove a fraude na contratação.
Justamente por esse motivo, o texto afasta totalmente a ideia de subordinação estrutural, autorizando o reconhecimento do liame empregatício quando houver inequívoca demonstração do preenchimento dos requisitos do artigo 3 da CLT ou na hipótese de descumprimento dos requisitos formais da Lei nº 6.019/74, o que deve ser individualmente caracterizado, conforme os §§3º e 4º do artigo 39 do decreto.
Esse é o ponto mais relevante do decreto sobre o tema, pois se estabelece com clareza a impossibilidade, outrora muito comum, de se tentar caracterizar o liame empregatício no âmbito coletivo, com aspecto puramente jurídico, qual seja, a alegação de subordinação estrutural.
Note que não se afasta a possibilidade de reconhecimento de fraude nas relações jurídicas comerciais e cíveis, que podem vir a ser utilizadas para mascarar eventual vínculo de emprego, contudo, tal questão, diante da necessidade de se verificar requisitos como pessoalidade, onerosidade, subordinação e não eventualidade, deve ser analisada caso a caso.
Portanto, adequado o texto, pois, de fato, não se pode supor que a situação de todos os trabalhadores que prestam serviços para uma determinada empresa é idêntica, de forma que a individualização das condutas permitirá às partes envolvidas, inclusive, exercer plenamente o seu direito de defesa.
O decreto reforça ainda os institutos da responsabilidade subsidiária, também inseridos pela Lei nº 13.429/2017, deixando claras as hipóteses do seu cabimento e, ainda, que esta não se confunde com o reconhecimento do vínculo empregatício.
Por fim, também reforça a necessidade de fundamentação clara e extensa para caracterização do grupo econômico horizontal, para o qual não é suficiente mera identidade de sócios, conforme indica o parágrafo 3º do artigo 2º da CLT.
A regulamentação, no caso, é bem-vinda, apesar de positivar questões que poderiam ser extraídas da interpretação da lei e das decisões vinculantes do Supremo Tribunal Federal, mas que, sem dúvidas, trará maior segurança jurídica para as relações trabalhistas.
*Matheus Gonçalves Amorim é advogado trabalhista e sócio do SGMP Advogados.