Por Ana Carolina Tinoco Neves (foto) e Lucas Rosteyko Vilas Boas*
Artigo publicado originalmente no Estadão
No último dia 8 de junho, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, por maioria de votos, decidiu que o rol de coberturas obrigatórias da Agência Nacional de Saúde Suplementar é taxativo. O entendimento foi firmado no julgamento dos Embargos de Divergência no Recurso Especial nº 1886929/SP.
Os ministros entenderam que os planos de saúde que atuam de maneira suplementar ao Estado, nos termos do Art. 199 da Constituição Federal, deverão cumprir e dispor aos seus usuários os procedimentos e eventos em saúde que constam no rol elaborado pela ANS.
A tese firmada pela Segunda Seção do STJ rompeu paradigma e causou grandes discussões, especialmente quanto a desassistência e vulnerabilidade de pacientes usuários dos planos de saúde.
A decisão da Segunda Seção do STJ não colocou fim às discussões quanto a matéria, tendo em vista que tramitam perante o STF duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (nº 7088 e nº 7183), bem como a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 986.
Além disso, há uma articulação no Congresso Nacional para, de alguma forma, tornar exemplificativo o rol da ANS que dispõe sobre procedimentos e eventos de saúde a serem observados pelas operadoras de saúde privada.
A decisão quanto ao tema esbarra em várias áreas dentro da saúde suplementar privada. Uma delas sem dúvida é a limitação (in)direta da liberdade de atuação do profissional médico.
A Lei nº 12.842 que dispõe sobre o exercício da medicina estabelece: “O objeto da atuação do médico é a saúde do ser humano e das coletividades humanas, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo, com o melhor de sua capacidade profissional e sem discriminação de qualquer natureza”.
O Conselho Federal de Medicina, por sua vez, instituiu como princípio fundamental a autonomia na atuação do profissional médico, assim dispondo:
“O médico exercerá sua profissão com autonomia, não sendo obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência ou a quem não deseje, excetuadas as situações de ausência de outro médico, em caso de urgência ou emergência, ou quando sua recusa possa trazer danos à saúde do paciente.”
Diante de todas as garantias que são conferidas aos profissionais médicos, como será sua atuação autônoma sendo taxativo o rol de procedimentos e eventos em saúde da ANS?
O zelo do profissional com paciente, no exercício de suas funções, será observado quando o protocolo a ser seguido for aquele estabelecido no rol taxativo da ANS?
A decisão da Segunda Seção do STJ, dentro da liberdade de atuação do profissional médico, traz muitos questionamentos que, por ora, não poderão ser respondidos.
Porém, a tese fixada pela Segunda Seção do STJ acaba por limitar a liberdade de atuação do profissional médico.
Isso porque o profissional, ao estabelecer um protocolo para um paciente da saúde suplementar privada, deverá se atentar ao que estabelece o rol taxativo da ANS, pois do contrário terá grande impacto ao paciente, uma vez que não há razoabilidade e proporcionalidade nos requisitos a serem observados quando da judicialização destas demandas.
Enquanto não há uma decisão definitiva e vinculante, as pessoas físicas – pacientes e médicos –, devem tentar caminhar por solo conhecido, na expectativa de que não haja qualquer intercorrência não prevista no rol taxativo da ANS.
*Ana Carolina Tinoco Neves é advogada no escritório Diamantino Advogados Associados
*Lucas Rosteyko Vilas Boas é estagiário no Diamantino Advogados Associados