Por Ligia Cardoso Valente, Luíza Pattero Foffano, Melina de Pieri Simão e Vinicius Mongelli De Nadai*
O recente posicionamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a impossibilidade de incluir empresas do mesmo grupo econômico em processos já em fase de execução trabalhista, caso essas não tenham participado do início do processo, gerou ampla repercussão no meio empresarial e jurídico. A análise do Tema 1232 foi retomada em sessão de 19/02/2025, ainda não finalizada.
Até o momento, a maioria dos votos do STF visa garantir o devido processo legal, impedindo que empresas que não participaram da fase de conhecimento sejam surpreendidas com a execução de débitos trabalhistas. Os votos foram registrados pelos ministros Dias Toffoli, Cristiano Zanin, Flávio Dino, André Mendonça e Nunes Marques.
O ministro Edson Fachin foi o único que se posicionou, por enquanto, favoravelmente para incluir as empresas somente na fase de execução, em estágio muito mais avançado. Para ele, a inclusão tardia é possível desde que a empresa tenha oportunidade de defesa em embargos à execução, independentemente de um incidente de desconsideração da personalidade jurídica.
Apesar de o julgamento ainda aguardar conclusão definitiva, a consolidação desse entendimento busca reforçar a segurança jurídica às empresas, em especial àquelas envolvidas em processos de recuperação judicial, considerando os constantes desafios na efetividade das execuções trabalhistas e polêmicas sobre a responsabilização das empresas relacionadas ao real empregador.
Esse entendimento traz maior previsibilidade para os grupos econômicos, exigindo que o trabalhador inclua todas as empresas potencialmente responsáveis pelas dívidas trabalhistas desde o início da demanda, e não apenas após a realização de diversos atos processuais, como produção de provas documentais e orais, audiências e recursos envolvendo o empregador, até então, único demandado.
Além disso, quando uma empresa do mesmo grupo é acionada apenas na fase de execução, enfrenta maiores dificuldades para se defender, uma vez que não participou da fase probatória e pode ter sua atuação processual significativamente limitada.
Por outro lado, a medida também levanta preocupações sobre a efetividade da satisfação de créditos trabalhistas. Com a limitação imposta pelo STF, há a preocupação de que os trabalhadores fiquem sem receber créditos já reconhecidos na Justiça do Trabalho, caso a empresa originalmente condenada não tenha condições financeiras de arcar com as verbas devidas.
Se a interpretação da maioria do Supremo se consolidar, será necessário que o reconhecimento da responsabilidade da empresa do grupo ocorra ainda na fase de conhecimento.
Aliás, do ponto de vista cível, a discussão ganha contornos importantes ao se analisar a proteção dos direitos processuais e patrimoniais garantidos pela legislação, invocada no Recurso Extraordinário perante o STF.
Como se sabe, o artigo 513, § 5º do CPC, que não encontra correspondência exata na CLT, resguarda o princípio do contraditório e da ampla defesa, impedindo que uma execução seja promovida contra aquele que não participou da fase de conhecimento – etapa em que se debate e se prova o mérito da demanda.
Assim, para que uma empresa que integra o mesmo grupo econômico seja incluída na execução, é imprescindível que se observe um rito processual específico, isto é, a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, regulado pelos artigos 133 a 137 do CPC (e, no âmbito trabalhista, com as modificações introduzidas pelo art. 855-A da CLT).
Essa exigência processual garante que a empresa, ainda que ausente da fase inicial do processo, tenha a oportunidade de se manifestar e produzir provas para demonstrar, por exemplo, que não há abuso na utilização do véu corporativo ou desvio de finalidade.
Em paralelo, o Código Civil, por meio do artigo 50, dispõe sobre a desconsideração da personalidade jurídica para coibir fraudes e abusos, permitindo que o verdadeiro responsável responda pelas obrigações.
Dessa forma, a aplicação conjunta dos preceitos assegura uma harmonização entre a efetividade da execução – essencial para a devida satisfação dos créditos – e a proteção das garantias processuais e patrimoniais, evitando que empresas sejam surpreendidas com medidas constritivas sem terem tido a chance de se defender adequadamente.
Nada obstante, é certo que o novo entendimento do STF pode trazer desafios para os credores trabalhistas, que deverão reforçar suas estratégias na fase inicial dos processos, bem como para as empresas, que deverão adotar medidas preventivas mais eficazes para evitar alegações de fraudes ou de sucessão empresarial.
No que diz respeito aos casos de empresas que tiveram sua falência decretada, ou ainda, em que tiveram o processamento da recuperação judicial deferido, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do REsp 2.034.442, havia se posicionado no sentido de que poderia o processo executivo se estender aos sócios, acionistas e demais empresas na fase de execução, em razão da desconsideração da personalidade jurídica.
Nesse cenário, entendeu-se que não haveria prejudicialidade para a devedora principal, pois seus bens estariam afetados pelo processo de recuperação ou falência – o que não se estenderia às demais entidades.
Ademais, ao analisar um recurso de revista sobre a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica de uma empresa que teve seu pedido de recuperação judicial deferido ou sua falência decretada após a vigência da Lei nº 14.112/2020 – que alterou a Lei de Recuperação Judicial e Falência (Lei nº 11.101/2005) –, para fins de execução dos sócios e demais empresas do conglomerado, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) firmou o entendimento de que a Justiça do Trabalho não possui competência para decidir sobre a desconsideração nesses casos.
Isso porque, aplicou-se o entendimento de que cabe exclusivamente ao juízo da recuperação ou da falência garantir a proteção da empresa devedora, viabilizar um processo de soerguimento adequado e preservar sua função econômica e social, ao passo que é esse juízo quem deve avaliar a continuidade da execução trabalhista contra os sócios ou demais empresas do grupo quando analisar um pedido de desconsideração da personalidade jurídica.
Os posicionamentos do STF e do STJ apresentam pontos de convergência e divergência quanto à extensão da execução trabalhista à empresas pertencentes ao mesmo grupo econômico.
De um lado, ambos os tribunais reforçam a importância do devido processo legal e da previsibilidade jurídica para empresas envolvidas em disputas trabalhistas. O STF, ao analisar a inclusão de novas empresas na fase de execução, tem sinalizado a necessidade de que a responsabilização ocorra ainda na fase de conhecimento, evitando surpresas processuais e garantindo o direito de defesa das empresas envolvidas. De forma similar, o STJ, permitiu a extensão da execução a sócios e outras empresas do grupo, desde que fundamentada na desconsideração da personalidade jurídica.
A divergência, porém, reside na abordagem sobre o momento e a competência para a inclusão de outras empresas na execução. O STF busca limitar a inclusão apenas à fase de conhecimento, enquanto o STJ a admite na fase de execução para empresas do grupo na fase executória, desde que a personalidade jurídica tenha sido desconsiderada. Além disso, o TST reforça a competência exclusiva do juízo da recuperação ou falência para avaliar pedidos de desconsideração da personalidade jurídica, impedindo que a Justiça do Trabalho o faça diretamente.
Esses diferentes entendimentos revelam um cenário ainda em construção sobre a responsabilização de empresas dentro de um grupo econômico, especialmente no contexto da recuperação judicial e falência. Enquanto o STF reforça a segurança jurídica ao evitar que empresas sejam surpreendidas com execuções tardias, o STJ e o TST demonstram preocupação com a efetividade da cobrança de créditos trabalhistas e a proteção do juízo recuperacional.
A decisão do STF sobre a inclusão de empresas na execução trabalhista sem sua participação na fase de conhecimento representa um divisor de águas para o contencioso trabalhista e para as empresas em recuperação judicial. Enquanto reforça a segurança jurídica e o devido processo legal, o entendimento também impõe desafios quanto à efetividade da satisfação dos créditos trabalhistas.
Para empresas em recuperação judicial, a decisão representa um reforço na previsibilidade de passivos, mas também um alerta para novas estratégias que credores podem adotar na busca pela satisfação de seus créditos trabalhistas, bem como para as empresas, a fim de que se resguardem de alegações de fraude ou sucessão empresarial.
A decisão do STF pode representar uma mudança significativa na forma como a Justiça do Trabalho trata a responsabilidade de grupos econômicos, trazendo maior previsibilidade para as empresas, mas também impondo novos desafios para a efetividade dos créditos trabalhistas.
*Ligia Cardoso Valente é coordenadora do time de recuperação judicial do escritório Finocchio & Ustra Sociedade de Advogados.
*Luíza Pattero Foffano é advogada Sênior do time cível do escritório Finocchio & Ustra Sociedade de Advogados.
*Melina de Pieri Simão é líder do time contencioso trabalhista do escritório Finocchio & Ustra Sociedade de Advogados.
*Vinicius Mongelli De Nadai é advogado do time de recuperação judicial do escritório Finocchio & Ustra Sociedade de Advogados.