Opinião

Debêntures incentivadas de energia: novas oportunidades à frente

Emissão se torna mais atrativa, ao mesmo tempo que o investidor vê seu retorno maximizado

24 de novembro de 2021

Por Antônia Bethonico Guerra Simoni*

Artigo publicado originalmente no Estadão

As debêntures incentivadas, também chamadas “debêntures de infraestrutura”, foram criadas pela Lei nº 12.431 de 2011 para alimentar investimentos essenciais em áreas como transporte e energia, garantindo alguns benefícios, como isenção do Imposto de Renda. Passados dez anos, o contexto da infraestrutura nacional mudou, instalou-se a crise hídrica e entrou em colapso o modelo de geração de energia existente, exigindo, evidentemente, uma revisão geral no marco legal do setor, o que não pode deixar de incluir o formato da captação de recursos.

A “menina dos olhos” do novo paradigma de produção de energia, a minigeração distribuída, não acessa até hoje as debêntures incentivadas, podendo, claro, seus projetos serem financiados por debêntures comuns. Essa falha pode ser corrigida com o Projeto de Lei nº 5.8292 de 2019, que institui o marco legal da microgeração e minigeração distribuída, em trâmite para aprovação do Senado Federal, e que expressamente inclui projetos de minigeração distribuída como projetos de infraestrutura para captação de recursos via debêntures incentivadas.

Os projetos de energia já eram contemplados pela legislação como projetos de infraestrutura, mas apenas quando se tratava de projetos de potência mais elevada. Com a aprovação e publicação da lei, os projetos de menor potência e seus investidores também poderão passar a ser beneficiados.

É claro que se trata de opção de investimentos que inspira cautela: não bastasse o risco intrínseco ao título, é bom lembrar que, ao contrário de vários outros instrumentos de investimento, as debêntures incentivadas não têm cobertura pelo FGC (o Fundo Garantidor de Crédito), o que significa que, em suma, eventual insolvência da empresa emissora atinge o credor.

Mas o risco não anula, de forma alguma, os benefícios do novo provável cenário: por si só, o aumento da gama de projetos que podem ser financiados por debêntures incentivadas já seria um benefício ao mercado, que potencialmente contará com oferta mais abrangente e diversificada de títulos.

Além disso, os títulos serão emitidos em um setor extremamente aquecido da economia, o da minigeração distribuída, para projetos que apresentam benefícios ambientais relevantes, e cuja execução via de regra é otimizada, seja em razão de demandarem licenciamento ambiental simplificado, seja em razão de exigirem investimentos mais modestos, quando comparada aos demais empreendimentos de energia. Da parte da empresa emissora, poderá surgir uma nova opção para captação de recursos, seja para a reestruturação de dívidas, seja para o financiamento de novos projetos.

As debêntures incentivadas de infraestrutura e investimento já têm bastante espaço no mercado, tendo alcançado R$ 4,8 bilhões em agosto deste ano, e foram predominantemente emitidas no setor de energia, que concentrou 58% das emissões entre janeiro e agosto de 2021, conforme divulgado em relatório do Ministério da Economia, no dia 4 de outubro. E esse espaço tende a aumentar após a conclusão de todo o trâmite legal do Projeto de Lei, que inclui a aprovação do Senado Federal, sanção pelo presidente da República e publicação da efetiva lei.

Como se sabe, as debêntures são títulos de renda fixa emitidos por uma sociedade – a sociedade emissora – que representam uma dívida dessa sociedade perante quem as adquire – o investidor. No mercado brasileiro, são valores mobiliários amplamente utilizados como instrumento de captação de recursos por sociedades anônimas, seja para a reestruturação de dívidas, seja para a obtenção de recursos para financiar novos projetos, e podem ser oferecidas tanto a credores específicos quanto publicamente (em se tratando de sociedades de capital aberto).

O mercado financeiro já trabalha há bastante tempo com esses títulos de crédito, que muitas vezes são preferidos pelas sociedades emissoras, sobretudo por se tratar de forma de captação com juros mais vantajosos quando comparados àqueles contraídos junto a instituições financeiras. Os investidores, por sua vez, independentemente de serem pessoas físicas ou jurídicas, têm buscado cada vez mais esse recurso, que não raro é mais rentável que outros produtos do mercado, além de permitir a recomendável diversificação da carteira de investimentos.

Nessa busca por títulos de crédito, os investidores podem se deparar com debêntures estruturadas das mais diversas formas, com variáveis que vão desde a existência ou não de garantias, a periodicidade e forma de pagamento ao investidor, até o fato de se tratar de debêntures incentivadas ou não. É preciso ressaltar que nem toda debênture poderá ser emitida como “incentivada”. Isso acontece apenas com aquelas emitidas para captar recursos direcionados a projetos específicos, voltados para o desenvolvimento da infraestrutura nacional.

Os títulos são regulamentados por legislação específica, que estabelece outras exigências além do objeto do projeto, tais como o prazo de vencimento do título, limitações às possibilidades de resgate ou recompra, e necessidade de registro em sistema autorizado pela Comissão de Valores Mobiliários – a CVM. O incentivo que as denomina é principalmente de ordem tributária já que, na ponta do credor, os rendimentos decorrentes do investimento são isentos de imposto de renda e, na ponta da empresa investida, a emissora também conta com redução da carga tributária incidente sobre a operação.

Com isso, a emissão se torna mais atrativa para a sociedade, ao mesmo tempo que o investidor vê seu retorno maximizado. Portanto, a chegada das debêntures incentivadas à atividade de minigeração deve trazer ganhos para as duas pontas da operação: para os consumidores de produtos financeiros e para os investidores da área de energia.

*Antônia Bethonico Guerra Simoni, especialista em Direito Empresarial, advogada no Chenut Oliveira Santiago Advogados

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