Por Olga Vishnevsky Fortes
Artigo publicado originalmente no Estadão
Recente decisão do TST (TST-ARR1000987-73.2018.5.02.0271) afirmou a possibilidade de estimativa de valores na inicial trabalhista, com o reconhecimento de que a “decisão regional que limitou a condenação aos valores atribuídos aos pedidos na inicial configura ofensa ao artigo 840, § 1º, da CLT”.
Para solucionar a questão, é preciso discorrer sobre os pedidos que compõem o valor da causa, a causa e relevância da atribuição de tal valor, a fundamentação e alcance do acórdão e a possibilidade de, em observação ao quanto decidido, limitar ou não o valor da condenação ao valor do pedido, em estrita observância à lei.
Pois bem. No processo civil, geralmente o valor atribuído ao pedido coincide com o valor da causa, porque é comum a formulação de um só pedido. No processo do trabalho, as causas possuem, em regra, vários pedidos que, por sua soma, compõem o valor da causa.
O valor da causa, dentre outros atributos, define o rito ou procedimento, que tem papel primordial no deslinde da relação jurídica processual instaurada.
O rito ou procedimento define a regra – aí inseridos o modo e prazos de atuação das partes e do juiz -, para solução da lide, como ocorre, por exemplo, na limitação do número de testemunhas no rito sumaríssimo (Art. 852-H, §2º), ou na restrição à possibilidade de recurso em espécies de ações (Lei 5584/70, §4º), ou na permissão de uma decisão antecedente de evidência ou urgência, ainda que não exauriente (CPC, art. 299). É o caminhar do processo, segundo a relação jurídica processual formada a partir do modelo estatal cunhado pela lei para a resolução específica de espécies de conflitos.
Nesse sentido, é a melhor doutrina que ensina que: “A parte, além de ter o direito de participar do processo, possui o direito ao procedimento adequado à tutela do direito material. Esse direito incide sobre o legislador, obrigando-o a instituir procedimentos idôneos, assim como sobre o juiz, especialmente em razão das normas processuais abertas, que dão à parte o poder de estruturar o procedimento segundo as necessidades do direito material e do caso concreto” (artigo de Luiz Guilherme Marinoni denominado “Da Teoria da Relação Jurídica Processual ao Processo Civil do Estado Constitucional”, publicado no site www.abdcp.org.br).
Mas não é só. O valor da causa é também utilizado como base de cálculo para a aplicação da multa por litigância de má-fé (CLT, art. 793-C, 793-D), como base de cálculo para a condenação nos ônus da sucumbência (CLT, art. 791-A, última parte do “caput”), como base de cálculo para o depósito prévio da ação rescisória (CLT, art. 836), e como indicador econômico da transcendência (CLT, art. 896-A, §1º, I). Sua necessária indicação se estende à manutenção da boa-fé processual, à aferição do fato objetivo da derrota, ao alcance da coisa julgada, à ampliação recursal do interesse subjetivo, e se insere plenamente na pretensão legislativa reformatória, permitindo a leitura sistemática dos dispositivos que, de forma hialina, se intercomunicam.
Assim é que nenhuma decisão processualmente adequada poderia ignorar a relevância da necessária indicação correta do valor da causa e dos pedidos que o integram.
Há de ser esclarecido que o valor do “pedido, que deverá ser certo, determinado…”, expresso no §1o art. 840, da CLT, é aquele que pode ser quantificado, ou liquidado, ou cujo montante expresso não é suscetível de dúvida (CPC, art. 322). Pedido determinado, por seu turno, é aquele que pode ser qualificado ou identificado (CPC, art. 324).
A modalidade de pedido que se opõe ao pedido certo referido no § 1º, do art. 840 da CLT, é o pedido genérico, que embora qualificado, não pode ser quantificado, ou seja, não possui o requisito da certeza (CPC, art. 324, § 1º). Ante a ausência de certeza – e aí o sentido da expressão é legal e não subjetivo -, tal pedido pode, então, ser estimado.
Aqui cabe destacar que os art. 322 a 324 do CPC, que descrevem as modalidades de pedidos, são totalmente aplicáveis ao processo do trabalho, ante a nítida presença dos requisitos da compatibilidade e da omissão de previsão na CLT, segundo permissivo do artigo 769 da Consolidação.
Voltando à decisão colegiada, é certo que esta foi fundamentada, dentre outras normas, na Instrução Normativa 41 do próprio TST, mais especificamente em seu art. 12, que dispõe que “§ 2º Para fim do que dispõe o art. 840, §§ 1º e 2º, da CLT, o valor da causa será estimado, observando-se, no que couber, o disposto nos arts. 291 a 293 do Código de Processo Civil”.
Nesse ponto, um parêntese. Numa espécie de controle de legalidade e constitucionalidade anunciado – expressão que criei inspirada na obra de Garcia Márquez -, o TST edita normas sobre seu entendimento majoritário acerca de determinado tema legal, ou constitucional. O magistrado pode ou não seguir as instruções normativas ou resoluções, mas já sabe que a parte que se sentir prejudicada com a negativa fará o processo esgotar todo um trâmite, chegando até o Tribunal Superior, que já disse, de antemão, qual entendimento adotará sobre a matéria.
Em tese, as Instruções Normativas não possuem força de lei, uma vez que não observam a competência legislativa estabelecida no artigo 22, I, da Constituição Federal, tampouco a restrita competência privativa descrita no artigo 96, I, da Carta. Embora a IN 41 disponha sobre matéria processual, poderia, como diz a doutrina, ser somente uma diretriz sobre os temas controvertidos depois da reforma. Poderia, não fosse usada como fundamento decisório para limitar o alcance da lei.
A referida limitação no alcance da lei ocorre na medida em que a decisão não especificou expressamente, como deveria fazer, a modalidade ou natureza do pedido cujo valor poderia ser estimado. Como já esclarecido, segundo a lei, somente o valor do pedido genérico pode ser estimado, porque não se estima o que é certo.
Observado o princípio da dialeticidade recursal, temos que as razões do recurso de revista estiveram adstritas à espécie de pedido genérico, tendo o recorrente referido que: “os pedidos da exordial, sem a documentação e a prova necessária, não podem tornar-se quantitativamente determinados, pois indicam valores estimativos mínimos, sendo que o real valor deve ser calculado na fase de liquidação, com base nos documentos e nos parâmetros fixados na decisão condenatória. Sustenta que, na impossibilidade de calcular-se com exatidão o seu pedido, a estimativa mínima foi a forma de bom senso encontrada pelo autor para a indicação do valor de alçada” (grifou-se). O acórdão só pôde se referir, ainda que não expressamente, a tal modalidade de pedido, nos termos da máxima “tantum devolutum quantum appellatum”, mormente porque não houve outra questão que exigisse a complementação do julgamento da causa (RE 346736 AgR-ED, Rel. Min. Min. Teori Zavascki, 2. T., j. 04/06/2013. DJe 18.06.2013).
Assim é que, se o pedido tem valor certo, como o valor de um salário devido, da multa do art. 477 da CLT, das férias, do 13º salário, de uma hora extra devida por dia, por exemplo, o juiz que entender incabível a estimativa do valor do pedido estará aplicando a lei, sem nenhuma violação ao constante do artigo 840, § 1º, da CLT, ou ao acórdão em estudo. Nesse caso, a condenação estará limitada ao valor do pedido, sendo-lhe vedado julgar além dele (CPC, art. 492).
Estará violando a lei a decisão que, como assinalou o acórdão em estudo, apresentado um pedido genérico, não permita a estimativa do valor do pedido, como, por exemplo, no caso de diferenças de comissões ou de horas extras com variações diárias durante a contratação. Nesses casos e tendo em vista que a documentação é produzida e juntada pelo empregador, há incidência do disposto no art. 324, § 1º, III, do CPC. A condenação não estará, então, limitada ao valor apontado apenas por estimativa.
De se esclarecer que a diferenciação da modalidade ou natureza certa ou genérica do pedido não fica a critério das partes, nem no caso de expressa ressalva, cabendo ao juízo a análise da correção do apontamento do valor, e da possibilidade ou não da limitação da condenação, segundo a descrição legal, nos termos do § 2º, do art. 322 do CPC.
Finalmente, ante a necessária boa-fé processual, há de se observar que a estimativa deve ter razoável proximidade com o valor efetivamente pretendido, de forma a não ser irrisória, gerando possíveis efeitos processuais indevidos.
*Olga Vishnevsky Fortes é juíza titular da 7.ª Vara do Trabalho de São Paulo, presidente em exercício da Associação Brasileira de Magistrados do Trabalho (ABMT), pós-graduada em Processo Civil pela FMU e em Administração Judiciária pela Fundação Getulio Vargas