Por Mariana Chaimovich e Thaís Zappelini*
Artigo publicado originalmente no Estadão
A regulação de criptoativos tem sido objeto de atenção ao redor do mundo. Diferentemente das CBDCs (Central Bank Digital Currencies), que por definição se apresentam como moedas digitais de curso legal no país em que foram emitidas, cunhadas pelos Bancos Centrais nacionais, as criptomoedas têm sua emissão através de redes blockchains, portanto descentralizadas por natureza. Elas não são consideradas, na grande maioria dos países, moedas oficiais e, consequentemente, não representam passivo contra instituições financeiras.
Em outubro de 2021 nos EUA foi criado o fundo de investimento Exchange Traded Fund (ETF), negociado na bolsa de valores e ligado à bitcoin. Já na China, a mineração e as transações com criptoativos foram proibidas pelo governo central. El Salvador foi a primeira nação a considerar uma criptomoeda, a bitcoin, como de curso legal.
No Brasil, em 2017, através de comunicado assinado pelos diretores de Política Monetária e de Regulação, o Banco Central (BC) alertava sobre os riscos das operações de guarda (custódia) e negociação das moedas virtuais, indicando que elas “não são emitidas nem garantidas por qualquer autoridade monetária, por isso não têm garantia de conversão para moedas soberanas, e tampouco são lastreadas em ativo real de qualquer espécie, ficando todo o risco com os detentores. Seu valor decorre exclusivamente da confiança conferida pelos indivíduos ao seu emissor”.
Apesar do alerta, uma série de projetos de lei sobre o assunto tramitam há anos no país, dentre os quais vale a pena destacar o PL 2303/2015 – aprovado com alterações no Plenário da Câmara dos Deputados, no ano passado, que busca regulamentar as criptomoedas, conceituando a prestação de serviços de ativos virtuais no Brasil, bem como determinando a disciplina das moedas virtuais e dos programas de milhagens aéreas pelo BC e a sua fiscalização pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).
Além dele, há o PL 3825/2019, que prevê diretrizes para a prestação de serviços envolvendo ativos virtuais. Também, o PL 3949/2019, que dispõe sobre transações realizadas com moedas virtuais e acerca das condições para o funcionamento das exchanges (corretoras de ativos virtuais), definindo crimes contra o sistema financeiro nacional.
Ambos tramitam em conjunto com o PL 4207/2020, que trata de ativos virtuais e pessoas jurídicas vinculadas a atividades de intermediação, custódia, distribuição, liquidação, transação, emissão ou gestão destes, além de crimes relacionados a fraudes com ativos virtuais. Em sua justificativa, a autora do PL, senadora Soraya Thronicke (PSL/MS), cita a necessidade de se alterar a Lei de Lavagem de Dinheiro, de modo a cadastrar as exchanges, para que elas possam reportar operações suspeitas ao Coaf, ampliando, assim, o controle e o combate a esse tipo de crime.
As exchanges são intermediadoras, por meio das quais é possível comprar, vender e trocar criptomoedas. A Receita Federal do Brasil define que uma exchange de criptoativos é “pessoa jurídica, ainda que não financeira, que oferece serviços referentes a operações realizadas com criptoativos, inclusive intermediação, negociação ou custódia, e que pode aceitar quaisquer meios de pagamento, inclusive outros criptoativos” (Art. 5º, II, da Instrução Normativa n° 1.888/2019).
Assim, as exchanges são espécie de prestadoras de serviços, que funcionam mediante a cobrança de taxa ou comissão sobre as operações em ambientes virtuais. Porém, diferentemente das corretoras de valores e de câmbio, elas ainda não são supervisionadas pelo BC nem pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Logo, como fica o funcionamento, em termos legais, dessas exchanges no Brasil? Embora não sejam regulamentadas, estão sujeitas à declaração de participação e tributação. E a Receita Federal exige, desde 2019, que as exchanges informem as movimentações de seus clientes (Instrução Normativa n° 1.888).
Outra pergunta a ser levantada é: quais as taxas aplicáveis para as atividades das exchanges? Como ficam saques e depósitos? Realizam elas um tipo sui generis de corretagem? O fato é que a ausência de regulação sobre o tema gera uma série de dúvidas, fomentando um ambiente de instabilidade e insegurança jurídica, que as proposições legislativas mencionadas neste artigo procuram sanar. Nosso papel, como integrantes da sociedade civil organizada, é, justamente, fomentar o debate e a discussão para auxiliar os tomadores de decisão a deliberarem mais bem informados a respeito desse tema tão complexo, com consequências tão prementes para a economia nacional e, portanto, para a sociedade brasileira como um todo.
*Mariana Chaimovich é advogada, legal advisor no ITCN (Instituto de Estudos Estratégicos de Tecnologia e Ciclo de Numerário), colaboradora do Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação da FGV, mestre em Direito Internacional pela USP e doutora pelo Instituto de Relações Internacionais da mesma instituição
*Thaís Duarte Zappelini é advogada, consultora de Relações Governamentais no ITCN (Instituto de Estudos Estratégicos de Tecnologia e Ciclo de Numerário), mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) e doutoranda em Direito na UPM