Por Wilson Sales Belchior*
Artigo publicado originalmente no LexLatin
A disseminação do novo coronavírus é ponto de inflexão para diferentes modelos de negócios e operações. Na área de serviços jurídicos, as sociedades de advogados precisaram, da mesma forma que vários outros segmentos, ajustarem seus procedimentos e rotinas para uma transição ao home office, reforçando as estruturas e protocolos de segurança cibernética e proteção de dados já existentes.
Neste momento ímpar, reforçar o cuidado com as pessoas se mostrou essencial. Em tempos de isolamento, a atenção e a escuta ativa no relacionamento entre líderes e suas equipes é indispensável. Afinal são as pessoas que fazem a diferença em qualquer organização. Compromisso com o espírito de equipe significa, portanto, enfatizar a capacidade de adaptação independentemente do tamanho dos desafios, encarando cada dia como uma oportunidade de dar o melhor de si mesmo.
Além disso, o impacto é contundente frente ao avanço na digitalização das atividades do Poder Judiciário, porquanto anteciparam-se mudanças aguardadas para um futuro próximo. Este movimento representou a entrada dos serviços jurídicos em um mundo digital e altamente tecnológico praticamente em tempo real, exigindo, igualmente, adaptação simultânea, sob a pena de o profissional restar impossibilitado de atuar ou participar desse segmento específico.
A realização de audiências, sessões e atos relacionados no ambiente virtual afastou definitivamente a rejeição dogmática mantida por alguns profissionais quanto à transformação do direito pela tecnologia. Hoje, a pergunta não é mais “quando”, porém “como”, isto é, deslocou-se o núcleo do debate para a aceleração nas etapas de planejamento estratégico que já vinha sendo aplicado no tocante às novas tecnologias nos serviços jurídicos.
Assim, até que o novo se torne ordinário, exigir-se-á da advocacia esforço redobrado e postura empreendedora para enfrentar e vencer desafios ressignificados pela tecnologia. Em outras palavras, está sendo preciso uma reinvenção da prática advocatícia, a qual atravessa diretamente a observação de novas oportunidades.
Nesse contexto, a principal diretriz de alterações nos serviços jurídicos constituiu-se pelo aumento massivo no investimento em softwares. O foco das suas funcionalidades diz respeito, em síntese, a atualização automática e simultânea de bases de dados de processos, agregando-se aos sistemas internos utilizados pelas empresas; gestão de documentos com apoio de automação para peças processuais e contratos diversos, mantendo a personalização necessária; integração de dados de diferentes fontes sistêmicas na área de recuperação de crédito.
Paralelamente, observa-se o avanço na implementação de projetos associados a Inteligência Artificial e automação. Dessa maneira, ganham destaque as iniciativas relacionadas a Online Dispute Resolution, assistentes virtuais, legal analytics, análise preditiva para antecipar eventos futuros, classificação automática de documentos segundo a sua relevância, data mining em textos com conteúdo jurídico (e.g. partes, tribunal, advogados, dispositivo, natureza da ação, precedentes, normas jurídicas) e análise quantitativa do comportamento judicial.
Sem dúvidas, o pós-pandemia será marcado pelo aprofundamento das conexões entre direito e tecnologia. Aproveitar essas oportunidades depende obrigatoriamente da compreensão aprofundada das reais necessidades das partes relacionadas, a partir do funcionamento e das peculiaridades dos seus negócios e/ou relacionamentos, em conjunto com a capacidade de transformá-las em soluções legais. Dito de outro modo, raciocínio analítico vocacionado a estruturação de soluções jurídicas criativas, inovadoras e eficazes para problemas reais.
Os algoritmos que estão sendo desenvolvidos priorizam a correspondência entre o seu design e a solução específica de gaps na gestão jurídica, internamente nos escritórios e departamentos jurídicos e no relacionamento com os stakeholders. Assim, permite-se alcançar ganhos de produtividade, organizar insights mais precisos para tomada de decisões estratégicas, prevenir conflitos, entregar recortes e diagnósticos precisos da realidade e economizar recursos.
Essa disseminação progressiva da Inteligência Artificial permitirá consolidar a automação de vários processos internos, manter a disciplina operacional e o rigor quantitativo empregado na análise de dados e indicadores, bem como garantir a governança de um modelo híbrido de prestação de serviços jurídicos, ao mesmo tempo presencial e home office.
Durante a pandemia, como acontece em eventos históricos que produzem em larga escala efeitos transitórios e permanentes na sociedade e nas relações econômicas, a judicialização de demandas específicas cresce. Isso é, reflexo da necessidade de interpretação e aplicação das normas jurídicas a novos fenômenos.
No contencioso cível, em particular, percebeu-se o aumento de discussões judiciais relativas aos impactos provocados pela pandemia, como, por exemplo, os múltiplos pedidos para impedir a suspensão de fornecimento de serviços por motivo de inadimplência nos setores de energia elétrica, telefonia e saúde suplementar; e pleitos que esbarram nas competências regulatórias das agências previstas em lei, especialmente aquela vinculada a normatização de segmento específico, tal qual no caso do requerimento para inclusão, como cobertura obrigatória, da realização de exames sorológicos para detecção da Covid-19.
De modo geral, sem pretensão de realizar diagnóstico estaticamente preciso, também notou-se o crescimento das demandas associadas aos contratos de consumo; consultas e pareceres a respeito de medidas emergenciais na área de contratos e das relações de trabalho; e orientações no que tange às mudanças normativas na legislação trabalhista oriundas da pandemia e à conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais.
A advocacia é assentada em desafios. O legado desse momento de inflexão consiste em reafirmar as bases sobre as quais desenvolve-se hard working de alta performance: paixão, entusiasmo e esforço de equipe. Essas variáveis foram as responsáveis por manter os padrões de qualidade característicos do setor de serviços jurídicos. Olhar para frente é reconhecer as exigências de assertividade e criatividade, inovação e eficiência, prioridades estratégicas e resultados de excelência.
*Wilson Sales Belchior é advogado e sócio do escritório Rocha, Marinho E Sales Advogados.